segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
O salário do professor e a qualidade da educação
Interessante como alguns temas rodam e rodam somente para acabarem batendo em soluções já conhecidas. Uma das conclusões a que os organizadores do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) chegaram é a de que os países que gastam muito dinheiro em educação, principalmente na qualificação e remuneração dos professores, são os que alcançam os melhores resultados. Palmas! Confirmaram com dados quantitativos e qualitativos aquilo que tem sido a pauta principal da luta dos sindicatos de professores no Brasil por décadas!
Outra informação interessante a que chegaram com o Pisa é de que o número de alunos por sala não é tão importante quanto a remuneração do professor no que se refere à qualidade de ensino. Também não é nenhuma novidade. Há muitos anos que os melhores colégios particulares do Brasil possuem salas lotadas e professores que recebem de três até cinco vezes (em alguns casos mais) os salários de seus colegas do ensino público (e também de muitas particulares).
Mais interessante é a frase de Daniel Cara, citada em matéria do portal UOL . Ele é coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação: “O grande caminho agora é incentivar a renda das famílias. Quanto maior a renda, maior a escolaridade”. Novamente a questão da remuneração, que nos leva para um tema já não tão intensamente presente nos debates contemporâneos: distribuição de renda. É preciso que o brasileiro passe a ganhar mais. E não se trata somente de uma questão de aumentar o salário mínimo. Precisamos mesmo é romper com a desvalorização histórica do trabalhador em nosso país e entender que o salário mínimo não deve ser definido como o salário máximo! Ele é o patamar menor da subsistência!
Não adianta esperar que os professores se comportem como religiosos cumprindo uma missão! São seres com necessidades. Trabalham por que gostam da profissão, mas também precisam pagar suas contas. Se as aulas em uma escola não bastam para tanto vão precisar buscar por mais aulas em outras. Se dar aulas pela manhã não é o suficiente vão ocupar as tardes e as noites. E não se iludam: o professor que trabalha nesse ritmo ainda não vai conseguir ganhar o mesmo que o professor dos nossos melhores colégios (já escrevi sobre isto aqui no Blog ). Ocupa todo seu tempo com aulas e acaba sem tempo de prepará-las e de se reciclar. Também acaba sem tempo para a própria família. Sim, os professores possuem famílias para sustentar! Infelizmente, como todo trabalhador sabe, não é possível fazer isso somente com boas intensões e muita vocação.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Educação: Brasil e França
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou os resultados do seu Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). O Brasil comemorou os resultados e a França deplorou. Por aqui conseguimos subir de pontuação em leitura, ciências e matemática, com os seguintes números (pela ordem): 412; 405; 386. O objetivo era superar a barreira dos 400 pontos, daí a comemoração. Mas é preciso entender bem o real significado da tais pontuações:
Se por um lado devemos ficar felizes pelo crescimento obtido não significa que devemos começar a celebrar. Não chegamos ainda na média definida pela OCDE (que gira em torno dos 500 pontos para cada conjunto de conhecimentos). Se demos passos importantes nos últimos anos eles foram certamente o início da tudo que ainda temos por fazer. Se queremos uma saúde melhor, uma economia melhor, serviços melhores, devemos ter profissionais melhores, com uma formação adequada. Então o que os resultados do Pisa realmente nos dizem é que devemos trabalhar mais pois temos muito pela frente. Mas não é somente o trabalho realizado pelas escolas e universidades que vai contar aqui, mas aquele de toda a sociedade.
- leitura - metade dos brasileiros atinge somente o nível um estabelecido na avaliação. Isso significa que conseguem identificar somente informações explícitas nos textos e estabelecer algumas relações com seu contidiano. Não conseguem extrapolar, estabelecer relações com outras fontes de informação e nem mesmo encontrar outras informações menos evidentes. É aquilo que todo professor conhece: o aluno que só é capaz de encontrar uma resposta se ela estiver estampada em letras garrafais no texto, que não consegue interpretar realmente aquilo que leu.
- matemática - temos que 69% de nossos estudantes estão no nível um também. Não conseguem ir muito além da matemática básica, apresentando grande dificuldades para lidar com as fórmulas ou os conceitos matemáticos. São capazes então de fazer as contas elementares, mas não conseguem lidar com nada mais elaborado (incluído aqui a regra de três...).
- ciências - novamente temos metade dos alunos no nível um (54,2%). São alunos que não conseguem empregar a disciplina no seu cotidiano por realmente não a compreenderem. É o mesmo caso da habilidade de leitura: podem até encontrar a resposta da pergunta se ela for bastante evidente, mas não entendem realmente o seu significado.
Se por um lado devemos ficar felizes pelo crescimento obtido não significa que devemos começar a celebrar. Não chegamos ainda na média definida pela OCDE (que gira em torno dos 500 pontos para cada conjunto de conhecimentos). Se demos passos importantes nos últimos anos eles foram certamente o início da tudo que ainda temos por fazer. Se queremos uma saúde melhor, uma economia melhor, serviços melhores, devemos ter profissionais melhores, com uma formação adequada. Então o que os resultados do Pisa realmente nos dizem é que devemos trabalhar mais pois temos muito pela frente. Mas não é somente o trabalho realizado pelas escolas e universidades que vai contar aqui, mas aquele de toda a sociedade.
sábado, 13 de novembro de 2010
É mais fácil bater
O mais difícil no processo do nossa amadurecimento é aprender a lidar com os próprios limites e reconhecer as nossas falhas. A sociedade atual, mais do que nunca, é voltada para a aparência da perfeição. Não estou nem mesmo pensando na questão mais evidente do físico de qualquer pessoa, mas sim no seu crescimento intelectual. É realmente um fato que hoje temos acesso à uma quantidade enorme de informações sobre todos os assuntos. Mas cada vez mais para consolidar-se também que as pessoas não lidam com o conhecimento que buscam. Querem a informação rápida, resumida (como por sinal é a propaganda de algumas revistas...), que não vai tomar muito tempo para ser encontrada. Nem todos percebem que toda informação precisa de tempo para ser absorvida e que os resumos muitas vezes não carregam toda a verdade (em alguns casos nem mesmo aquilo que é realmente importante!).
Pensei nisso ao ver a foto da professora de 57 anos agredida por um aluno de 25 anos em Porto Alegre. O rapaz teria se irritado por ter tirado uma nota baixa na matéria da professora. Ao invés de procurar entender o que houve decidiu pegar uma cadeira e bater na professora, que ao tentar se defender terminou com os braços quebrados. Ela desmaiou. Não satisfeito em sua fúria o jovem, que também é instrutor de artes marciais, continuou seu ataque com socos e chutes, quebrando seis dentes de sua indefesa vítima.
A tarefa do professor não é fácil. Devemos transmitir conhecimentos aos alunos, empregar estratégias que facilitem o aprendizado. Mas não podemos fazer nada sem a ação dos alunos. É o aluno que precisa que precisa ficar atento nas aulas. E não se iludam! Mesmo quando ele não considera a aula "legal"! Pois não é possível ao mesmo professor agradar todos os alunos, ainda mais com jovens acostumados a mudar de programa e da página com um clique quando não gostam do que viram. É o aluno que precisa ler o que lhe foi pedido ao invés de ficar esperando que o professor explique todo o texto em sala e que ainda lhe envie o resumo da matéria em slides! Escuto de vários alunos que o professor só pode cobrar o que falou em aula... e O texto que ele pediu para ler antes da aula? A aula é o momento do diálogo, do debate, da retirada de dúvidas. Mas as dúvidas só podem existir se o aluno leu e estudou o que foi pedido antes! Quando o professor se depara com uma sala que não fez o que lhe foi pedido somente lhe resta voltar para o método tradicional: vai para o quadro e explica tudo... Depois ainda vai ter que ouvir que suas aulas não são interessantes! Vai ouvir reclamações sobre as notas e o desempenho dos alunos. E pode até mesmo ser agredido se houver algum destemperado em sua sala.
Pensei nisso ao ver a foto da professora de 57 anos agredida por um aluno de 25 anos em Porto Alegre. O rapaz teria se irritado por ter tirado uma nota baixa na matéria da professora. Ao invés de procurar entender o que houve decidiu pegar uma cadeira e bater na professora, que ao tentar se defender terminou com os braços quebrados. Ela desmaiou. Não satisfeito em sua fúria o jovem, que também é instrutor de artes marciais, continuou seu ataque com socos e chutes, quebrando seis dentes de sua indefesa vítima.
A tarefa do professor não é fácil. Devemos transmitir conhecimentos aos alunos, empregar estratégias que facilitem o aprendizado. Mas não podemos fazer nada sem a ação dos alunos. É o aluno que precisa que precisa ficar atento nas aulas. E não se iludam! Mesmo quando ele não considera a aula "legal"! Pois não é possível ao mesmo professor agradar todos os alunos, ainda mais com jovens acostumados a mudar de programa e da página com um clique quando não gostam do que viram. É o aluno que precisa ler o que lhe foi pedido ao invés de ficar esperando que o professor explique todo o texto em sala e que ainda lhe envie o resumo da matéria em slides! Escuto de vários alunos que o professor só pode cobrar o que falou em aula... e O texto que ele pediu para ler antes da aula? A aula é o momento do diálogo, do debate, da retirada de dúvidas. Mas as dúvidas só podem existir se o aluno leu e estudou o que foi pedido antes! Quando o professor se depara com uma sala que não fez o que lhe foi pedido somente lhe resta voltar para o método tradicional: vai para o quadro e explica tudo... Depois ainda vai ter que ouvir que suas aulas não são interessantes! Vai ouvir reclamações sobre as notas e o desempenho dos alunos. E pode até mesmo ser agredido se houver algum destemperado em sua sala.
sábado, 30 de outubro de 2010
O Plano Real: o preço de uma ilusão
Lembro do dia em que o Plano Real foi lançado. Como um passe de mágica abandonamos o debilitado cruzeiro e fomos apresentados ao turbinado Real. A mágica acontecia através da aplicação da URV (Unidade Real de Valor), que valia exatos Cr$2.750,00. Todo o dinheiro dos brasileiros foi convertido do cruzeiro para o Real com base na URV. O detalhe é que o valor da URV (Cr$2.750,00) era o mesmo da cotação do dólar na época... A inflação em 1993, ano anterior ao lançamento do real, havia chegado à 2.708%, o que não chega a ser o seu maior valor histórico...
A euforia com o Plano Real foi grande. Repentinamente parecia que nossa moeda era tão forte quanto o dólar, de modo que as importações aumentaram muito. O governo garantia a igualdade do valor entre o Real e o dólar. Era inclusive previsto oficialmente:
O resultado dessa mágica também é conhecido. Uma crise enorme, que estourou pouco depois da reeleição de FHC. Sem nada para vender, sem reservas e sem crescimento econômico chegamos a ver o dólar ser vendido aqui por R$4,00!!! Vamos lembrar que o Real já tinha um valor artificial inicial garantido pelo governo (não podemos esquecer da URV de Cr$2.750,00). Imaginando que nossa moeda ainda fosse o cruzeiro era como se o dólar passasse a valer Cr$11.000,00!!! Se com o dólar em Cr$2.750,00 a inflação havia chegado aos 2.708% vejam o tamanho do problema!
Lula foi eleito pela primeira vez em tal contexto. E seu governo precisou adotar a única medida possível para solucionar a crise: fazer a economia nacional volta a crescer. Não podiam mais interferir diretamente no valor do dólar, de modo que as importações sofreram. Mas houve diversas medidas de incentivo ao crescimento das empresas nacionais, bem como às parcerias com os países do Mercosul, com os quais o comércio é realizado com tarifas bem menores. Por isso dizer que o governo Lula apenas continuou o caminho econômico traçado por FHC e o PSDB é realmente ridículo. Em 1994, início do governo de FHC e já com o Real, nossa dívida pública era de cerca de 60 bilhões de dólares. Quando FHC terminou seu segundo mandato a dívida pública passava dos 850 bilhões de dólares! Precisamos emprestar dinheiro dos EUA e do FMI.
Se há algo que se pode dizer é que o governo Lula que está chegando ao fim não continuou com a política iniciada por FHC. Ele mudou completamente o rumo da nossa economia, alterando nossas prioridades de investimento e de parcerias comerciais mas sem alterar a precária estabilidade gerada pelo Plano Real.
Faço hoje tais reflexões para lembrar que a escolha do voto deve levar em consideração o projeto de gestão estabelecido pelos candidatos. A questão da corrupção certamente é importante, mas querer acreditar que a corrupção surgiu agora, ou que ela nunca foi tão grande é fechar os olhos para o passado! Basta olhar nos arquivos da Folha de S. Paulo no período FHC, ou então para os que acham tal jornal "esquerdista demais", olhar nos arquivos de O Estado de S. Paulo (que apoia oficialmente o candidato José Serra) e da Veja (que não anunciou oficialmente o mesmo apoio que o Estadão, mas aplaudiu a ação do jornal). Para quem acha o atual governo truculento é só lembrar que no período de FHC tivemos o massacre de Eldorado dos Carajás, bem como a polícia paulista (do também tucano Covas) começando com a "moda" de bater nos professores em greve (e também em alunos). Ou mesmo da invasão do exército na refinaria de Paulínia em 1995 (também durante uma greve).
Por esses motivos é que considero prioritário observar os planos dos candidatos para a nossa Nação. O texto já deve ter deixado a minha tendência de voto. Mas são somente os meus motivos e a minha opinião. E essa é a beleza da democracia que tão arduamente construímos.
* Quem quiser ler mais sobre a dívida pública e outras comparações entre os governos de Lula e FHC pode ler os seguintes textos:
Carta aberta a Fernando Henrique Cardoso
A Dívida Pública Interna e Sua Trajetória Recente
A euforia com o Plano Real foi grande. Repentinamente parecia que nossa moeda era tão forte quanto o dólar, de modo que as importações aumentaram muito. O governo garantia a igualdade do valor entre o Real e o dólar. Era inclusive previsto oficialmente:
Chegamos ao problema já bastante conhecido. Para manter o valor do Real foi necessário utilizar nossas reservas internacionais. Quando elas acabaram vieram os títulos da dívida pública, vendidos no exterior para atrair novos dólares, sendo portanto pagos em dólar. Quando chegou o tempo de pagar tais títulos começamos a vender as estatais, inclusive as que eram lucrativas (afinal se fosse um negócio ruim ninguém iria querer comprar). Para atrair os compradores ainda colocamos à disposição financiamentos do BNDES.Propõe-se, por outro lado que o Real seja lastreado nas reservas internacionais do país, na exata proporção de um dólar americano para cada Real emitido, vinculando parcela das reservas internacionais para tal fim, em conta especial do Banco Central. (Exposição de Motivos da MP do Plano Real, 30 de junho de 1994)
O resultado dessa mágica também é conhecido. Uma crise enorme, que estourou pouco depois da reeleição de FHC. Sem nada para vender, sem reservas e sem crescimento econômico chegamos a ver o dólar ser vendido aqui por R$4,00!!! Vamos lembrar que o Real já tinha um valor artificial inicial garantido pelo governo (não podemos esquecer da URV de Cr$2.750,00). Imaginando que nossa moeda ainda fosse o cruzeiro era como se o dólar passasse a valer Cr$11.000,00!!! Se com o dólar em Cr$2.750,00 a inflação havia chegado aos 2.708% vejam o tamanho do problema!
Lula foi eleito pela primeira vez em tal contexto. E seu governo precisou adotar a única medida possível para solucionar a crise: fazer a economia nacional volta a crescer. Não podiam mais interferir diretamente no valor do dólar, de modo que as importações sofreram. Mas houve diversas medidas de incentivo ao crescimento das empresas nacionais, bem como às parcerias com os países do Mercosul, com os quais o comércio é realizado com tarifas bem menores. Por isso dizer que o governo Lula apenas continuou o caminho econômico traçado por FHC e o PSDB é realmente ridículo. Em 1994, início do governo de FHC e já com o Real, nossa dívida pública era de cerca de 60 bilhões de dólares. Quando FHC terminou seu segundo mandato a dívida pública passava dos 850 bilhões de dólares! Precisamos emprestar dinheiro dos EUA e do FMI.
Se há algo que se pode dizer é que o governo Lula que está chegando ao fim não continuou com a política iniciada por FHC. Ele mudou completamente o rumo da nossa economia, alterando nossas prioridades de investimento e de parcerias comerciais mas sem alterar a precária estabilidade gerada pelo Plano Real.
Faço hoje tais reflexões para lembrar que a escolha do voto deve levar em consideração o projeto de gestão estabelecido pelos candidatos. A questão da corrupção certamente é importante, mas querer acreditar que a corrupção surgiu agora, ou que ela nunca foi tão grande é fechar os olhos para o passado! Basta olhar nos arquivos da Folha de S. Paulo no período FHC, ou então para os que acham tal jornal "esquerdista demais", olhar nos arquivos de O Estado de S. Paulo (que apoia oficialmente o candidato José Serra) e da Veja (que não anunciou oficialmente o mesmo apoio que o Estadão, mas aplaudiu a ação do jornal). Para quem acha o atual governo truculento é só lembrar que no período de FHC tivemos o massacre de Eldorado dos Carajás, bem como a polícia paulista (do também tucano Covas) começando com a "moda" de bater nos professores em greve (e também em alunos). Ou mesmo da invasão do exército na refinaria de Paulínia em 1995 (também durante uma greve).
Por esses motivos é que considero prioritário observar os planos dos candidatos para a nossa Nação. O texto já deve ter deixado a minha tendência de voto. Mas são somente os meus motivos e a minha opinião. E essa é a beleza da democracia que tão arduamente construímos.
* Quem quiser ler mais sobre a dívida pública e outras comparações entre os governos de Lula e FHC pode ler os seguintes textos:
Carta aberta a Fernando Henrique Cardoso
A Dívida Pública Interna e Sua Trajetória Recente
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Tiririca e o sentido da democracia
Consolidada a eleição de Tiririca, amplamente antecipa pelas pesquisas, vários comentários surgiram. Não são novos e repetem muito do que foi dito desde o primeiro momento em que o agora ex-palhaço anunciou sua candidatura. Várias pessoas gritaram sobre o absurdo de sua campanha, sustentada pelo lema "pior do que está não fica". Outros lamentaram as escolhas do povo, culpando sua ignorância e questionando os procedimentos da nossa democracia.
Candidatos como Tiririca não são exatamente uma novidade. A mesma polêmica surgiu durante a campanha e posterior vitória de Clodovil, que dizia abertamente não ter plataforma política alguma. Todas as eleições realizadas após o período da ditadura militar contaram com candidatos polêmicos por utilizarem o humor, muitas vezes a respeito da própria imagem e capacidades. A novidade dos últimos anos é que alguns começaram a ser eleitos.
O historiador José Murilo de Carvalho explica, no livro Os Bestializados, a imagem que as elites do Brasil imperial tinham do povo no momento da proclamação da República. O movimento que derrubou a monarquia não contou com a participação popular, o que levou Aristides Lobo (jornalista e propagandista republicano) a afirmar que "O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava". A frase reflete o espírito das elites da época: o povo é uma massa ignorante, que nada sabe sobre os rumos da nação, sendo sua participação geral a de meros espectadores. E na verdade para tais elites estava tudo bem assim! O povo de fora do processo político e suas manifestações de descontentamento sendo duramente reprimidas, como ocorreu em Canudos, na Revolta da Vacina, no Contestado e, bem mais recentemente, com os sem-terra em Carajás.
Carvalho nos oferece uma interpretação diferente. O povo não era bestializado. Eles eram bilontras, ou seja, espertalhões, gozadores. Sabiam que muito bem que a política era um jogo de representações que alteravam muito pouco sua própria realidade cotidiana. Nesse sentido tratar a política como algo verdadeiro é que seria o erro, a ilusão.
A eleição de Tiririca deve receber uma análise muito mais profunda do que vem recebendo. Ela pode representar a manifestação de um parcela do povo que grita abertamente que a política é um jogo no qual as camadas populares saem sempre perdendo. Já que a política não é feita com seriedade melhor deixá-la com um profissional em palhaçadas. Mas também pode expressar que Tiririca conseguiu atingir um público que não se sente representado pelos atuais políticos. Ele que sofreu com a seca, que veio tentar a vida em São Paulo como tantos outros retirantes; que não teve acesso a uma boa educação, como tantos brasileiros. Resta saber quem é o mais iludido: o que acredita nas promessas de candidatos "sérios", muitas das quais não serão certamente cumpridas, ou quem faz a opção por um candidato insanamente transparente em sua ignorância?
Quer seja como uma forma de protesto ou como a expressão de uma identificação do eleitorado o fato é que o regime democrático estabelece o direito de Tiririca em concorrer, ser eleito e assumir o cargo. Contestar tal direito popular é um verdadeiro atentado contra a democracia! É desejar retornar ao tempo em que o voto não era livre para todo cidadão brasileiro: no período imperial havia o critério censitário (pela renda) e durante muito tempo na República era necessário ser alfabetizado. Quem não se enquadrava em tais condições tinha o dever de pagar seus impostos e cumprir as leis, mas não podia participar da vida política. Levamos muito tempo até a compreensão de que os setores mais pobres da sociedade também devem participar do processo político.
Antes de questionarmos os direitos de Tiririca e seus eleitores devemos questionar os políticos alfabetizados e bem formados, os que já estão na política há muitos anos, que não conseguiram criar as condições necessárias ao estabelecimento do bem-estar para toda população.
Eu não votaria em Tiririca. Ele não representa o que acredito ser necessário para um político (assim como diversos outros candidatos que foram eleitos). Mas abomino com muito mais força qualquer discurso que pretenda restringir o direito da livre manifestação popular através do voto! O autoritarismo deve ser sempre combatido, principalmente quando aparece disfarçado como "defensor" da democracia.
domingo, 3 de outubro de 2010
Vazamentos na rede
Devem existir limites nas informações que são divulgadas nos meios de comunicação? Alguém que divulgue documentos confidenciais de qualquer governo deve ser considerado um espião, um traidor ou um simplesmente um defensor da liberdade de informação? Esse é o debate ao redor de Julian Assange, criador do site especializado em divulgar documentos confidenciais, o WikiLeaks. Ele hoje vive como um foragido, pois governos como o dos EUA desejam detê-lo para interrogatórios.
Mas não somente os governos que questionam a atividade de Assange e seus associados. Matéria do Der Spiegel divulgada pelo UOL, revela que mesmo parte da grande imprensa parece questionar os interesses que o movem. Basta ver o questionamento proposto no título da matéria: O WikiLeaks é benção ou maldição para a democracia?, e também um subtítulo no meio da matéria: Entregando os informantes. A matéria, apesar do título, não discute o papel do acesso à informação no sistema democrático, na verdade não aborda nada sobre a questão do funcionamento da democracia no mundo. E ainda deixa sugerido que o WikiLeaks é uma ameaça aos seus próprios informantes, como é o caso do soldado norte-americano Bradley Manning, que foi preso acusado de divulgar informações para o site.
A matéria discute também quais seriam os critérios empregados por Assange e sua equipe para selecionar o que deve ser divulgado.
Parece-me que mais do que questionar os interesses envolvidos na elaboração do site é necessário questionar os interesses daqueles que repassam as informações confidenciais ao mesmo. Configura-se uma rede de informantes que estão vazando relatórios confidenciais, frequentemente com a justificativa de estarem atuando em favor da verdade e da liberdade. Será mesmo? Realmente parece questionável. Mas com a mídia oficial temos o mesmo problema! Os jornais possuem fontes de informação espalhadas em todas as esferas do poder. Pode ser o assessor de um político, o escrivão de uma delegacia, o funcionário de um fórum, enfim! Mas há algo interessante com o WikiLeaks: as autoridades reclamam das atividades do site, mas não questionam a veracidade dos documentos divulgados...
Qual é o incômodo então com o WikiLeaks? Que eles são uma fonte de divulgação de informações que governantes não desejam ver publicadas, uma vontade que a grande mídia parece não se importar em respeitar. Com tantos políticos proprietários ou sócios em veículos de mídia pelo mundo, controlando sabe-se lá de que maneira a divulgação das informações, que venham mais e mais WikiLeaks.
Mas não somente os governos que questionam a atividade de Assange e seus associados. Matéria do Der Spiegel divulgada pelo UOL, revela que mesmo parte da grande imprensa parece questionar os interesses que o movem. Basta ver o questionamento proposto no título da matéria: O WikiLeaks é benção ou maldição para a democracia?, e também um subtítulo no meio da matéria: Entregando os informantes. A matéria, apesar do título, não discute o papel do acesso à informação no sistema democrático, na verdade não aborda nada sobre a questão do funcionamento da democracia no mundo. E ainda deixa sugerido que o WikiLeaks é uma ameaça aos seus próprios informantes, como é o caso do soldado norte-americano Bradley Manning, que foi preso acusado de divulgar informações para o site.
A matéria discute também quais seriam os critérios empregados por Assange e sua equipe para selecionar o que deve ser divulgado.
Parece-me que mais do que questionar os interesses envolvidos na elaboração do site é necessário questionar os interesses daqueles que repassam as informações confidenciais ao mesmo. Configura-se uma rede de informantes que estão vazando relatórios confidenciais, frequentemente com a justificativa de estarem atuando em favor da verdade e da liberdade. Será mesmo? Realmente parece questionável. Mas com a mídia oficial temos o mesmo problema! Os jornais possuem fontes de informação espalhadas em todas as esferas do poder. Pode ser o assessor de um político, o escrivão de uma delegacia, o funcionário de um fórum, enfim! Mas há algo interessante com o WikiLeaks: as autoridades reclamam das atividades do site, mas não questionam a veracidade dos documentos divulgados...
Qual é o incômodo então com o WikiLeaks? Que eles são uma fonte de divulgação de informações que governantes não desejam ver publicadas, uma vontade que a grande mídia parece não se importar em respeitar. Com tantos políticos proprietários ou sócios em veículos de mídia pelo mundo, controlando sabe-se lá de que maneira a divulgação das informações, que venham mais e mais WikiLeaks.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Exemplos
O Conselho de Direitos Humanos da ONU afirmou ontem que a ação de Israel contra a frota com ajuda humanitária na Faixa de Gaza no mês de maio contrariou as leis humanitárias internacionais além de ter violado os direitos humanos. Foi condenada a brutalidade da ação, considera desnecessária, mas também foram feitas críticas diretas ao próprio bloqueio imposto por Israel na região, identificado como uma forma de punição coletiva injustificável contra a população civil. A declaração também condenou os ataques de mísseis disparados da Faixa de Gaza em direção à Israel.
Apesar de ser um avanço, a declaração corre o risco de cair no vazio, como tantas outras. A legitimidade de ONU depende da eficácia não somente de suas palavras, mas das ações que deveriam estimular. O governo de Israel nem mesmo colaborou com os investigadores da ONU, conforme ressaltado no mesmo documento.
Quando nações como Israel, EUA e Inglaterra (cujos governos já desrespeitaram determinações da ONU) demonstram que a força é o que vale não devemos estranhar que o exemplo seja seguido em escala global.
Apesar de ser um avanço, a declaração corre o risco de cair no vazio, como tantas outras. A legitimidade de ONU depende da eficácia não somente de suas palavras, mas das ações que deveriam estimular. O governo de Israel nem mesmo colaborou com os investigadores da ONU, conforme ressaltado no mesmo documento.
Quando nações como Israel, EUA e Inglaterra (cujos governos já desrespeitaram determinações da ONU) demonstram que a força é o que vale não devemos estranhar que o exemplo seja seguido em escala global.
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Efeito Lula?
Um debate recorrente nestas eleições tem sido sobre o tal "efeito Lula". Não vou indicar, como sempre faço, links para artigos que abordam tal assunto, pois eles podem ser facilmente encontrados em uma pesquisa no Google e são, com frequência, muito partidarizados. Mas diferentes comentaristas, analistas e blogueiros associam diretamente a imagem do presidente com o bom desempenho de alguns candidatos nas pesquisas eleitorais. O caso da campanha de Dilma é o mais evidente.
O argumento central é de que a boa imagem de Lula acaba de certo modo "colada" a do candidato que recebe o apoio presidencial, determinando uma vantagem competitiva. É como se o candidato não existisse realmente, sendo somente uma representação da personalidade de Lula.
Desdobra-se de tal argumento um outro, o que associa tanto ao presidente como ao seu partido e candidatos a alcunha de autoritários. Estariam impondo e determinando os rumos das eleições, caminhando inclusive para obter uma maioria confortável no Congresso, o que seria ameaçador para a nossa democracia...
Alguns pontos são problemáticos em todo esse raciocínio. Primeiro é que ele é falsamente analítico. Não existem dados ainda que comprovem que os eleitores estão votando, por exemplo, em Dilma somente por causa da presença de Lula ao seu lado. Na verdade o início da propaganda eleitoral na TV revelou um dado que muitas análises deixaram de lado: Serra perdeu ainda mais votos após aparecer regularmente em seu programa. É, portanto, mais provável que a imagem de Serra tenha exercido um papel na definição do voto do que a suposta imagem atrelada ao presidente Lula. Tanto é assim que quando Serra perde votos quem cresce é Marina Silva.
No que se refere à questão da democracia é ainda mais preocupante. Ficar descontente com a escolha do voto popular é uma coisa, mas atribuir tal escolha a um suposto autoritarismo é um salto grande demais. Seria mais fácil acreditar que o autoritarismo reside nas pessoas que levantam tal hipótese, justamente por não aceitarem as escolhas do voto da população. Para escaparem de tal acusação reforçam então a imagem do voto alienado, de que as pessoas estariam seguindo algo que lhes é sugerido direta e indiretamente por Lula.
Preciso dizer então que o fato da imagem de Dilma estar atrelada ao governo Lula não é surpresa alguma: ela fez parte do atual governo! Estranho seria se tal vinculação não fosse feita! Atribuir tal fato meramente ao uso da imagem do presidente na campanha é precipitado demais. Fosse isso verdade e teríamos somente candidatos apoiados por Lula sendo eleitos em todo o Brasil e o PT não precisaria fazer alianças (como ocorre com todos os partidos).
Democracia implica também que as partes aceitem as regras da disputa, particularmente as derrotas impostas pelo voto popular. Deverá ser assim, por exemplo, com os petistas em São Paulo e deverá (ao que tudo indica) ser assim com os tucanos na corrida presidencial. Qualificar a escolha popular simplesmente como manipulada, resultado de um povo supostamente alienado por políticas populistas, mas sem apresentar qualquer comprovação real desta argumentação é o mesmo que questionar o seu livre direito de escolha, o que é a porta de entrada do tipo de autoritarismo que se considera portador da verdadeira vontade coletiva (como aqui fizeram os militares em 1964).
O argumento central é de que a boa imagem de Lula acaba de certo modo "colada" a do candidato que recebe o apoio presidencial, determinando uma vantagem competitiva. É como se o candidato não existisse realmente, sendo somente uma representação da personalidade de Lula.
Desdobra-se de tal argumento um outro, o que associa tanto ao presidente como ao seu partido e candidatos a alcunha de autoritários. Estariam impondo e determinando os rumos das eleições, caminhando inclusive para obter uma maioria confortável no Congresso, o que seria ameaçador para a nossa democracia...
Alguns pontos são problemáticos em todo esse raciocínio. Primeiro é que ele é falsamente analítico. Não existem dados ainda que comprovem que os eleitores estão votando, por exemplo, em Dilma somente por causa da presença de Lula ao seu lado. Na verdade o início da propaganda eleitoral na TV revelou um dado que muitas análises deixaram de lado: Serra perdeu ainda mais votos após aparecer regularmente em seu programa. É, portanto, mais provável que a imagem de Serra tenha exercido um papel na definição do voto do que a suposta imagem atrelada ao presidente Lula. Tanto é assim que quando Serra perde votos quem cresce é Marina Silva.
No que se refere à questão da democracia é ainda mais preocupante. Ficar descontente com a escolha do voto popular é uma coisa, mas atribuir tal escolha a um suposto autoritarismo é um salto grande demais. Seria mais fácil acreditar que o autoritarismo reside nas pessoas que levantam tal hipótese, justamente por não aceitarem as escolhas do voto da população. Para escaparem de tal acusação reforçam então a imagem do voto alienado, de que as pessoas estariam seguindo algo que lhes é sugerido direta e indiretamente por Lula.
Preciso dizer então que o fato da imagem de Dilma estar atrelada ao governo Lula não é surpresa alguma: ela fez parte do atual governo! Estranho seria se tal vinculação não fosse feita! Atribuir tal fato meramente ao uso da imagem do presidente na campanha é precipitado demais. Fosse isso verdade e teríamos somente candidatos apoiados por Lula sendo eleitos em todo o Brasil e o PT não precisaria fazer alianças (como ocorre com todos os partidos).
Democracia implica também que as partes aceitem as regras da disputa, particularmente as derrotas impostas pelo voto popular. Deverá ser assim, por exemplo, com os petistas em São Paulo e deverá (ao que tudo indica) ser assim com os tucanos na corrida presidencial. Qualificar a escolha popular simplesmente como manipulada, resultado de um povo supostamente alienado por políticas populistas, mas sem apresentar qualquer comprovação real desta argumentação é o mesmo que questionar o seu livre direito de escolha, o que é a porta de entrada do tipo de autoritarismo que se considera portador da verdadeira vontade coletiva (como aqui fizeram os militares em 1964).
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Obama e os mais ricos
O presidente norte-americano, Obama, foi muito criticado nos últimos tempos, inclusive aqui. As posturas dos EUA em diferentes incidentes certamente não o ajudaram. Mesmo a anunciada "retirada" do Iraque na verdade revelou-se apenas uma redução da presença norte-americana, pois cerca de 50 mil militares ainda continuarão por lá. Por isso foi interessante ler matéria da Reuters, sobre um discurso de Obama afirmando que o governo norte-americano não pode mais continuar fornecendo benefícios fiscais para os mais ricos. Foram cortes em impostos feitos pelo governo Bush mas que devem terminar no final deste ano. Obama anunciou que pretende manter os benefícios apenas para famílias com renda de até 250 mil dólares por ano.
A medida é interessante, revelando a disposição de seu governo de tocar na delicada questão sobre as responsabilidades sociais das camadas mais ricas da sociedade. Certamente é bom verificar que algumas das expectativas com a sua eleição eram reais. Mas o que chama muita atenção é a faixa de renda anunciada: famílias com renda de até 250 mil dólares anuais... É uma renda mensal de cerca de 20.800 dólares! Com a cotação de hoje seria o equivalente à R$ 35.776,00 por mês aqui no Brasil. Existem pobres e pobres...
A medida é interessante, revelando a disposição de seu governo de tocar na delicada questão sobre as responsabilidades sociais das camadas mais ricas da sociedade. Certamente é bom verificar que algumas das expectativas com a sua eleição eram reais. Mas o que chama muita atenção é a faixa de renda anunciada: famílias com renda de até 250 mil dólares anuais... É uma renda mensal de cerca de 20.800 dólares! Com a cotação de hoje seria o equivalente à R$ 35.776,00 por mês aqui no Brasil. Existem pobres e pobres...
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Questões sobre a quebra do sigilo fiscal
Algumas questões sobre o caso da quebra de sigilo fiscal na Receita Federal:
- José Serra afirmou que teria avisado pessoalmente ao presidente Lula, em janeiro, sobre a violação do sigilo de sua filha, alegando que os mesmos foram utilizados em um blog favorável à campanha de Dilma. Perguntas: Por que falar com o presidente na época e não com a polícia ou o ministério público? Ele estava tentando comprometer o presidente?
- O caso da quebra de sigilo na Receita revela um problema maior, sobre a facilidade absurda com a qual nossos dados confidenciais podem ser acessados. Desde quando isso acontece? Quantas fraudes podem estar sendo realizadas através desses dados?
domingo, 29 de agosto de 2010
Quem paga o preço
O quadro não é novo. Um aluno se apresenta com problemas de notas em uma escola durante o primeiro semestre e procura então outra, considerada mais fácil, para terminar o ano. Qualquer professor, principalmente os dos colégios particulares, já viu isso acontecer, quer seja como docente da escola que perde o aluno ou da que o recebe. A questão foi brevemente apresentada em matéria de hoje na Folha.com. Destaque vai para o recado dos educadores: a medida pode atrapalhar mais do que ajudar. O aluno pode acabar com a impressão que não importa o que possa estar acontecendo sempre haverá um meio de se livrar das consequências da obrigação não cumprida.
Presenciei vários casos como esse. Mas um deles chamou minha atenção. Era um jovem que tinha muito potencial, mas que por um conjunto de fatores que estavam fora do controle da escola (e até mesmo da família), acabou ameaçado de perder o ano. Não havendo nada mais que pudesse ser feito por ele veio a opção de mudar de colégio. Alguns anos depois ele apareceu para uma visita e conversamos bastante. O que eu mais me lembro foi da seguinte frase: "Professor a escola lá é tão fraca que eu sou o melhor aluno da turma!".
Entre os especialistas ouvidos pela reportagem temos o alerta de que a escola não deveria se concentrar apenas nos melhores alunos, mas fornecer ajuda individualizada para os que apresentam dificuldades. Pronto! Mais uma vez o ideal esbarrou no real. As escolas, no modelo que temos hoje, não possuem condições para fornecer tal atendimento. Ele custa muito caro. É preciso pagar ao professor e outros profissionais, que não podem então possuir muitos compromissos externos. Para conseguirem concorrer em uma situação na qual os donos das escolas se comportam como meros empresários tal custo extra pode significar a perda de outros tantos alunos para os concorrentes. Que é exatamente o que os pais acabam fazendo ao retirar seus filhos para "uma escola mais fácil", sem saber realmente o que isto possa ser.
Ficamos então todos sem saída! O professor não consegue atender os alunos individualmente, tem as salas lotadas e trabalha em mais de um emprego. A maioria das escolas não dispõe do grupo de profissionais necessários para atender com qualidade esses mesmos alunos. Os pais acabam optando pela única saída aparente, uma vez que muitos também não podem pagar pelo atendimento profissional necessário. E quem sofre é o aluno. Mas, infelizmente, enquanto a tendência de considerar a educação como uma mercadoria prevalecer (já temos inclusive grupos de educação que lançaram ações na bolsa de valores) não há como imaginar a adoção de um sistema de ensino inclusivo.
Presenciei vários casos como esse. Mas um deles chamou minha atenção. Era um jovem que tinha muito potencial, mas que por um conjunto de fatores que estavam fora do controle da escola (e até mesmo da família), acabou ameaçado de perder o ano. Não havendo nada mais que pudesse ser feito por ele veio a opção de mudar de colégio. Alguns anos depois ele apareceu para uma visita e conversamos bastante. O que eu mais me lembro foi da seguinte frase: "Professor a escola lá é tão fraca que eu sou o melhor aluno da turma!".
Entre os especialistas ouvidos pela reportagem temos o alerta de que a escola não deveria se concentrar apenas nos melhores alunos, mas fornecer ajuda individualizada para os que apresentam dificuldades. Pronto! Mais uma vez o ideal esbarrou no real. As escolas, no modelo que temos hoje, não possuem condições para fornecer tal atendimento. Ele custa muito caro. É preciso pagar ao professor e outros profissionais, que não podem então possuir muitos compromissos externos. Para conseguirem concorrer em uma situação na qual os donos das escolas se comportam como meros empresários tal custo extra pode significar a perda de outros tantos alunos para os concorrentes. Que é exatamente o que os pais acabam fazendo ao retirar seus filhos para "uma escola mais fácil", sem saber realmente o que isto possa ser.
Ficamos então todos sem saída! O professor não consegue atender os alunos individualmente, tem as salas lotadas e trabalha em mais de um emprego. A maioria das escolas não dispõe do grupo de profissionais necessários para atender com qualidade esses mesmos alunos. Os pais acabam optando pela única saída aparente, uma vez que muitos também não podem pagar pelo atendimento profissional necessário. E quem sofre é o aluno. Mas, infelizmente, enquanto a tendência de considerar a educação como uma mercadoria prevalecer (já temos inclusive grupos de educação que lançaram ações na bolsa de valores) não há como imaginar a adoção de um sistema de ensino inclusivo.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Bilontras
O historiador José Murilo de Carvalho utilizou esse termo para se referir à população brasileira no século XIX, no episódio da proclamação da República em seu livro Os Bestializados. Carvalho discute na obra com a imagem de que o povo brasileiro teria assistido "bestializado" os eventos da proclamação da República, dita por Aristides Lobo, querendo dizer que ninguém realmente entendeu o que se passava. Contrariando tal imagem Carvalho propõem a do bilontra, o malandro. Se o povo não participou do evento ou não procura se envolver mais com os rumos da política não por ignorância, mas sim por terem a compreensão clara de que a política é um jogo, uma disputa de discursos e imagens. Nesse aspecto os que consideram a política como algo verdadeiro é que seriam os verdadeiros bestializados, enquanto que todos os demais, que assistem de longe e debocham de todo o teatro seriam os bilontras.
Lembrei-me do texto ao ler entrevista com o candidato à deputado federal por São Paulo, Tiririca (pelo PR). O humorista defende que sua presença na câmara não vai deixar as coisas piores do que estão. Também fica claro que são os assessores indicados pelo seu partido que irão montar os projetos e definir os rumos do seu mandato (diante da real possibilidade de que seja eleito). Ele revela que não entende nada sobre isso. Afirma que vai defender as crianças e os nordestinos, trabalhando pelos mais necessitados.
O que o voto em Tiririca significa? Acredito que há um pouco do bilontra sugerido por Carvalho: votar nele é chamar todos os políticos de palhaços. Mas também é um sinal do personalismo político que marca grande parte de nossa sociedade, que não vota considerando os programas partidários mas sim os candidatos. Comentei sobre isso no meu artigo anterior neste blog. Temos que considerar ainda que algumas pessoas podem acreditar que, diante do quadro atual, Tiririca, por sua origem e apelo popular, pode representar uma possibilidade de expressão para uma parcela do eleitorado, absolutamente desesperançada, grande o suficiente para elegê-lo. Quando Clodovil foi eleito para o mesmo cargo pelo mesmo estado críticas semelhantes surgiram, principalmente diante da sua autodeclarada inexperiência. Após sua morte quase nada foi dito sobre seu papel pífio na câmara, apenas louvaram sua carreira de estilista.
É preciso verificar também se a crítica à candidatura de Tiririca não revela muito mais um elitismo que beira realmente o racismo. Afinal, gostando ou não, ele possuí o direito de ser candidato e, sendo eleito, cumprir as atribuições de seu mandato. Excluí-lo previamente simplesmente por ele ser quem sempre foi é certamente uma forma de discriminação. Demoramos muito para chegar até a concepção de que todos os cidadãos brasileiros alfabetizados, independentemente de sua cor, origem, religião e classe, possuem o direito de se lançarem como candidatos. A democracia deve ser o espaço da expressão da diversidade.
O desafio é então, mais do que ficar chocado e indignado com a possibilidade da eleição do humorista, entender os fatores que motivam seus eleitores superando o discurso fácil que remete à ideia de um povo bestializado.
Lembrei-me do texto ao ler entrevista com o candidato à deputado federal por São Paulo, Tiririca (pelo PR). O humorista defende que sua presença na câmara não vai deixar as coisas piores do que estão. Também fica claro que são os assessores indicados pelo seu partido que irão montar os projetos e definir os rumos do seu mandato (diante da real possibilidade de que seja eleito). Ele revela que não entende nada sobre isso. Afirma que vai defender as crianças e os nordestinos, trabalhando pelos mais necessitados.
O que o voto em Tiririca significa? Acredito que há um pouco do bilontra sugerido por Carvalho: votar nele é chamar todos os políticos de palhaços. Mas também é um sinal do personalismo político que marca grande parte de nossa sociedade, que não vota considerando os programas partidários mas sim os candidatos. Comentei sobre isso no meu artigo anterior neste blog. Temos que considerar ainda que algumas pessoas podem acreditar que, diante do quadro atual, Tiririca, por sua origem e apelo popular, pode representar uma possibilidade de expressão para uma parcela do eleitorado, absolutamente desesperançada, grande o suficiente para elegê-lo. Quando Clodovil foi eleito para o mesmo cargo pelo mesmo estado críticas semelhantes surgiram, principalmente diante da sua autodeclarada inexperiência. Após sua morte quase nada foi dito sobre seu papel pífio na câmara, apenas louvaram sua carreira de estilista.
É preciso verificar também se a crítica à candidatura de Tiririca não revela muito mais um elitismo que beira realmente o racismo. Afinal, gostando ou não, ele possuí o direito de ser candidato e, sendo eleito, cumprir as atribuições de seu mandato. Excluí-lo previamente simplesmente por ele ser quem sempre foi é certamente uma forma de discriminação. Demoramos muito para chegar até a concepção de que todos os cidadãos brasileiros alfabetizados, independentemente de sua cor, origem, religião e classe, possuem o direito de se lançarem como candidatos. A democracia deve ser o espaço da expressão da diversidade.
O desafio é então, mais do que ficar chocado e indignado com a possibilidade da eleição do humorista, entender os fatores que motivam seus eleitores superando o discurso fácil que remete à ideia de um povo bestializado.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
As instituições e os indivíduos
Para que servem os partidos políticos? Os dados analisados pela Datafolha parecem indicar que não para muita coisa, pelo menos para uma boa parte dos eleitores. Observem as intenções de voto para governador e senador (lembrando que são duas vagas para senador) em alguns estados:
- Minas Gerais - Hélio Costa (PMDB) tem 43% das intenções de voto para governador. Mas 74% dos eleitores de Hélio irão votar para senador em Aécio Neves (PSDB) e 56% em Itamar Franco (PPS). O candidato aliado de Hélio ao senado, Fernando Pimentel (PT), recebe 26% dos votos de seus eleitores.
- São Paulo - Geraldo Alckmin (PSDB) liderada para governador com 54%. Mas 29% dos eleitores que votam no tucano irão votar em Marta Suplicy (PT) para o Senado. Ela segue em primeiro lugar no estado, com 32% do total.
- Rio de Janeiro - Sérgio Cabral (PMDB) segue em primeiro lugar para governador, com 57%. Mas 45% de seus eleitores devem votar em Marcelo Crivella (PRB) e 39% em Cesar Maia (DEM) para o Senado.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Ninguém se responsabiliza
Eric Schmidt, que é o presidente da Google, advertiu que os jovens de hoje talvez tenham que mudar seus nomes como única alternativa para apagar os rastros que deixam ao navegar pela internet. Afirmou que a sociedade ainda não consegue entender os riscos de serem disponibilizadas informações pessoais livremente na rede. Como a Google é certamente a maior empresa atuando nesse setor o recado precisa ser bem entendido.
Em janeiro de 2006 o caderno Mais! da Folha de S. Paulo publicou uma entrevista com Vinton Cerf, que idealizou a internet e seus protocolos. Na época ele trabalhava para a Google, atuando justamente na expansão da rede no mundo todo. Entre outras coisas ele afirmou o seguinte:
Enquanto isso a Google continua a crescer e a acumular cada vez mais dados que ninguém sabe ao certo, ainda, como podem ser utilizados.
Em janeiro de 2006 o caderno Mais! da Folha de S. Paulo publicou uma entrevista com Vinton Cerf, que idealizou a internet e seus protocolos. Na época ele trabalhava para a Google, atuando justamente na expansão da rede no mundo todo. Entre outras coisas ele afirmou o seguinte:
O Google não garante o conteúdo que descobre na internet. Seus algoritmos, que fazem o ranking do material que ele apresenta, são intencionalmente preparados para dar destaque ao que parece ser mais relevante. (FOLHA DE S. PAULO. O meio sem a mensagem. 29 jan. 2006, Caderno Mais!)Cabe então ao usuário filtrar a qualidade e a confiabilidade de cada site. Assim como cabe ao usuário filtrar o que vai postar na internet. Interessante que em um mundo de tantos avanços o discurso de uma das empresas mais modernas e atuantes no setor da informação seja o mesmo de qualquer empresa tradicional. A afirmação de que não se responsabilizam pela informação que circula assemelha-se ao velho argumento da indústria de armas: são as pessoas que matam e não as armas.
Enquanto isso a Google continua a crescer e a acumular cada vez mais dados que ninguém sabe ao certo, ainda, como podem ser utilizados.
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Enterrando a educação pública
Quando nenhuma "novidade" parecia possível na educação brasileira! O governo do estado de São Paulo, gestão do PSDB (que já perdura por 16 anos), jogou mais uma pá de terra na cara dos professores. Vão pagar R$ 50,00 para cada aluno que ficou em recuperação de matemática e que participe integralmente das aulas de reforço. Patético é o mínimo que posso dizer! E ainda existem "educadores" que apoiaram a ideia! O que assusta mais? Que nas discussões do projeto chegaram a cogitar sortear um notebook entre os alunos que participassem integralmente das aulas de reforço! Fabuloso! E os bons alunos? O que recebem? Nada, somente a certeza de que cumprir suas obrigações não conta para nada nesse país! Cumpra seu dever e sinta-se feliz, enquanto você observa os que não cumprem receberem incentivos e premiações. Como se já não fosse suficientemente difícil ser professor nos dias de hoje.
Claro que os alunos com dificuldade precisam de atenção. Mas e os que são bons alunos? Não precisam ser estimulados a prosseguir? A tentar uma vaga nas universidades públicas? Premiar a presença nas aulas de reforço é uma daquelas ideias que arrebentam com tudo, inclusive o trabalho de se tentar resgatar a dignidade do professor. Os alunos das escolas públicas precisam que suas famílias ganhem melhor, para que possam viver melhor e assim conseguirem estudar. Dinheiro para pagar melhor aos profissionais que atuam nas escolas não existe, mas para bonificações sim.
Como convencer os alunos de que é necessário estudar se os gestores do estado os estimulam a pensar o contrário?
Claro que os alunos com dificuldade precisam de atenção. Mas e os que são bons alunos? Não precisam ser estimulados a prosseguir? A tentar uma vaga nas universidades públicas? Premiar a presença nas aulas de reforço é uma daquelas ideias que arrebentam com tudo, inclusive o trabalho de se tentar resgatar a dignidade do professor. Os alunos das escolas públicas precisam que suas famílias ganhem melhor, para que possam viver melhor e assim conseguirem estudar. Dinheiro para pagar melhor aos profissionais que atuam nas escolas não existe, mas para bonificações sim.
Como convencer os alunos de que é necessário estudar se os gestores do estado os estimulam a pensar o contrário?
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Consumo sustentável
A Abecip, Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, divulgou que os brasileiros que procuram crédito bancário para compra de imóveis financiam, em média, 61,9% do valor total da compra. Em 2004 a média era de 46,8% do valor do imóvel. Segundo a associação existe uma tendência de crescimento até cerca de 80% do valor do imóvel, patamar considerado "sustentável". Afirma também que não corremos o risco de uma "bolha imobiliária" como ocorreu nos EUA por dois fatores: 1- não há endividamento considerado excessivo da parte de consumidores e construtores; 2- houve um aumento real da renda média do brasileiro, que deve ficar em torno de 8%. Por conta de todos esses fatores afirmam ainda que o preço dos imóveis deve continuar subindo, pois a demanda existe.
Sem querer ser alarmista algumas considerações precisam ser feitas. A Abecip é uma associação formada, basicamente, por Bancos tais como: Itaú, HSBC, Caixa, Santander, Banco do Brasil, Bradesco entre outros. Difícil acreditar que tais entidades, principalmente as privadas, desejem fazer qualquer declaração que desestimule a busca por crédito em suas empresas. No que se refere ao aumento da porcentagem financiada pelos brasileiros na compra do imóvel a Abecip ainda afirma que as pessoas que possuem capital guardado preferem não gastá-lo todo na compra do imóvel, assumindo parcelas maiores de financiamento para manterem um capital investido guardado. Faltou comentar que o preço dos imóveis vem aumentando aceleradamente nos últimos anos, influenciando certamente o valor financiado pela população. Em diversas regiões os imóveis dobraram de preço. Não é preciso dizer que os salários não dobraram no mesmo período. Se as pessoas não querem gastar toda a poupança na compra do imóvel é justamente pelo temor de não possuírem reservas no caso de uma dificuldade futura. Certamente não é, para muitos, com a intenção de garantir o pagamento de financiamentos!
Ao final temos ainda a sinalização de que o valor dos imóveis deve subir ainda mais. Por mais que os salários estejam mais altos o ponto de partida de tal aumento era muito baixo! Não significa um poder real de endividamento sustentável. Dados do IBGE mostram que os setores que mais cresceram no comércio foram o de material de escritório, informática e comunicação (25,8%); móveis e eletrodomésticos (20,6%); itens farmacêuticos e de perfumaria (12,2%); alimentação, bebidas e fumo (10,4%); roupas e calçados (10,1%); livros, jornais e papelaria (8,1%); outros itens de uso pessoal ou doméstico (6,1%); combustíveis e lubrificantes (5,5%). São segmentos da economia onde o endividamento ocorre, mas em valores e parcelamentos menores. Não consigo visualizar como um aumento médio de salários na casa dos 8% poderá dar conta de manter todo esse consumo (incluindo os imóveis) em alta. As pessoas não podem deixar de comer e andar vestidas, mas podem cortar todos os demais gastos em caso de desemprego. Podem inclusive tentar vender o imóvel ou automóvel que compraram financiado, mas muitas imobiliárias trabalham com um tempo médio para a venda de imóveis de até seis meses (apesar de falarem inicialmente em três). Passado tal período alguns recomendam que o valor de venda seja diminuído. A questão então é saber se as pessoas nessa situação vão poder continuar pagando seus financiamentos...
Temos condições de sustentar tal ciclo? Somente em um quadro de manutenção dos empregos e aumentos sucessivos de salário... Já entenderam o problema.
Sem querer ser alarmista algumas considerações precisam ser feitas. A Abecip é uma associação formada, basicamente, por Bancos tais como: Itaú, HSBC, Caixa, Santander, Banco do Brasil, Bradesco entre outros. Difícil acreditar que tais entidades, principalmente as privadas, desejem fazer qualquer declaração que desestimule a busca por crédito em suas empresas. No que se refere ao aumento da porcentagem financiada pelos brasileiros na compra do imóvel a Abecip ainda afirma que as pessoas que possuem capital guardado preferem não gastá-lo todo na compra do imóvel, assumindo parcelas maiores de financiamento para manterem um capital investido guardado. Faltou comentar que o preço dos imóveis vem aumentando aceleradamente nos últimos anos, influenciando certamente o valor financiado pela população. Em diversas regiões os imóveis dobraram de preço. Não é preciso dizer que os salários não dobraram no mesmo período. Se as pessoas não querem gastar toda a poupança na compra do imóvel é justamente pelo temor de não possuírem reservas no caso de uma dificuldade futura. Certamente não é, para muitos, com a intenção de garantir o pagamento de financiamentos!
Ao final temos ainda a sinalização de que o valor dos imóveis deve subir ainda mais. Por mais que os salários estejam mais altos o ponto de partida de tal aumento era muito baixo! Não significa um poder real de endividamento sustentável. Dados do IBGE mostram que os setores que mais cresceram no comércio foram o de material de escritório, informática e comunicação (25,8%); móveis e eletrodomésticos (20,6%); itens farmacêuticos e de perfumaria (12,2%); alimentação, bebidas e fumo (10,4%); roupas e calçados (10,1%); livros, jornais e papelaria (8,1%); outros itens de uso pessoal ou doméstico (6,1%); combustíveis e lubrificantes (5,5%). São segmentos da economia onde o endividamento ocorre, mas em valores e parcelamentos menores. Não consigo visualizar como um aumento médio de salários na casa dos 8% poderá dar conta de manter todo esse consumo (incluindo os imóveis) em alta. As pessoas não podem deixar de comer e andar vestidas, mas podem cortar todos os demais gastos em caso de desemprego. Podem inclusive tentar vender o imóvel ou automóvel que compraram financiado, mas muitas imobiliárias trabalham com um tempo médio para a venda de imóveis de até seis meses (apesar de falarem inicialmente em três). Passado tal período alguns recomendam que o valor de venda seja diminuído. A questão então é saber se as pessoas nessa situação vão poder continuar pagando seus financiamentos...
Temos condições de sustentar tal ciclo? Somente em um quadro de manutenção dos empregos e aumentos sucessivos de salário... Já entenderam o problema.
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Escondendo os erros
Acompanhem a seguinte história. Uma criança é abandonada pelos pais e entregue aos parentes. Algum tempo depois seu pai retorna, mas ele é violento e abusivo. Aos 13 anos a criança é largada na entrada do sistema de cuidado com as crianças do estado de Nova York, de onde ele sai aos 16 anos. O jovem tenta servir a Marinha, mas termina viciado e vivendo nas ruas. Certo dia encontra um bilhete de ônibus para a cidade de Oklahoma onde seu destino muda, para pior! Em 1982 um homem é morto na cidade com o uso de um pedaço de garrafa. Um jovem morador de rua, com histórico de violência e assaltos foi preso pelo crime, mas acusou o nosso protagonista de ser o assassino. Eles estariam fazendo um programa com o homem assassinado quando a situação teria se descontrolado.
Para complicar a situação de nosso jovem ele é afro-descendente. Terminou preso e julgado pelo assassinato, podendo pegar a pena de morte. Seu primeiro advogado não se importou muito: declarou seu desprezo pelos homossexuais e considerou seu cliente como hostil. Ele não se preparou para o julgamento e fechou seu caso com uma fala de nove palavras... Foi assim que James Fisher, então com 20 anos, foi condenado à morte. Passou os próximos anos tentando vários apelos sem sucesso, vivendo no corredor da morte, muitas vezes em total isolamento. Sua frustração manifestava-se como rebeldia na prisão, pela qual foi sempre punido. Após 19 anos na prisão finalmente a Corte Federal considerou a nulidade de seu primeiro julgamento diante do comportamento antiético de seu advogado. Em 2005 recebeu um novo advogado e um novo julgamento, mas obteve o mesmo resultado. O novo advogado confessou que na época era viciado em cocaína e tinha problemas com bebida, de modo que negligenciou todos os seus casos. Chegou mesmo a agredir seu cliente, Fisher, o qual acabou se recusando a participar do novo julgamento. Mesmo assim foi condenado à morte novamente e o julgamento considerado nulo pelas ações da defesa.
Finalmente aparece o último advogado, Mr. Hudson, que é orientado por Fisher a buscar um acordo. Em julho deste ano finalmente o caso foi encerrado, após 28 anos. O acusado, que sempre afirmou ser inocente e que tinha como único acusador um jovem viciado com histórico de violência, aceitou o acordo oferecido: ele seria imediatamente liberto caso assumisse a autoria do assassinato, passando então por um programa de readequação social, mas também deveria sair de Oklahoma para sempre. Saiu barato para o sistema legal norte-americano, que se livrou da possibilidade de um processo da parte de Fisher, que ficou 26 anos preso no corredor da morte sem nunca ter realmente recebido um julgamento justo.
A história de Fisher fez-me pensar, evidentemente, no nosso sistema judiciário, repleto de casos escandalosos, tais como o da garota de 14 anos que ficou presa em uma cela cheia de homens. Ela também, após a denúncia da situação absurda, repleta de abusos, acabou "amparada" pelas estruturas estatais de cuidado com os jovens. Não se adaptou em nada e hoje, já com 18 anos, prossegue com seus traumas e vícios, ainda carregando o estigma de ser de algum modo culpada por tudo que passou.
Não é somente o Irã, com o caso terrível do julgamento de Sakineh, que deveria receber as pressões das autoridades e personalidades mundiais.
Para complicar a situação de nosso jovem ele é afro-descendente. Terminou preso e julgado pelo assassinato, podendo pegar a pena de morte. Seu primeiro advogado não se importou muito: declarou seu desprezo pelos homossexuais e considerou seu cliente como hostil. Ele não se preparou para o julgamento e fechou seu caso com uma fala de nove palavras... Foi assim que James Fisher, então com 20 anos, foi condenado à morte. Passou os próximos anos tentando vários apelos sem sucesso, vivendo no corredor da morte, muitas vezes em total isolamento. Sua frustração manifestava-se como rebeldia na prisão, pela qual foi sempre punido. Após 19 anos na prisão finalmente a Corte Federal considerou a nulidade de seu primeiro julgamento diante do comportamento antiético de seu advogado. Em 2005 recebeu um novo advogado e um novo julgamento, mas obteve o mesmo resultado. O novo advogado confessou que na época era viciado em cocaína e tinha problemas com bebida, de modo que negligenciou todos os seus casos. Chegou mesmo a agredir seu cliente, Fisher, o qual acabou se recusando a participar do novo julgamento. Mesmo assim foi condenado à morte novamente e o julgamento considerado nulo pelas ações da defesa.
Finalmente aparece o último advogado, Mr. Hudson, que é orientado por Fisher a buscar um acordo. Em julho deste ano finalmente o caso foi encerrado, após 28 anos. O acusado, que sempre afirmou ser inocente e que tinha como único acusador um jovem viciado com histórico de violência, aceitou o acordo oferecido: ele seria imediatamente liberto caso assumisse a autoria do assassinato, passando então por um programa de readequação social, mas também deveria sair de Oklahoma para sempre. Saiu barato para o sistema legal norte-americano, que se livrou da possibilidade de um processo da parte de Fisher, que ficou 26 anos preso no corredor da morte sem nunca ter realmente recebido um julgamento justo.
A história de Fisher fez-me pensar, evidentemente, no nosso sistema judiciário, repleto de casos escandalosos, tais como o da garota de 14 anos que ficou presa em uma cela cheia de homens. Ela também, após a denúncia da situação absurda, repleta de abusos, acabou "amparada" pelas estruturas estatais de cuidado com os jovens. Não se adaptou em nada e hoje, já com 18 anos, prossegue com seus traumas e vícios, ainda carregando o estigma de ser de algum modo culpada por tudo que passou.
Não é somente o Irã, com o caso terrível do julgamento de Sakineh, que deveria receber as pressões das autoridades e personalidades mundiais.
sábado, 7 de agosto de 2010
O público e o privado na crise econômica
Quando a atual crise econômica surgiu foram os Estados, com dinheiro público, que tiveram que socorrer às empresas privadas. Pacotes e mais pacotes de ajuda foram aprovados, para evitar que mais bancos fechassem suas portas, que empresas falissem, principalmente nos EUA já governado por Obama, mas ações similares foram realizadas em praticamente todos os países. O presidente Lula chegou a declarar, ironizando com o discurso liberal e neoliberal de empresários/economistas que sempre defenderam a existência de um Estado pequeno
Assim é que os agentes e defensores do mercado livre revelam suas prioridades. Quanto a crise chega tratam de defender seus interesses, cortam todos os investimentos e jogam toda responsabilidade para o Estado, que é a mesma coisa que jogar os prejuízos nas costas de toda população. É a velha lógica da socialização das perdas, discutida pelo economista brasileiro Celso Furtado: os lucros são privados e só pertencem a um pequeno grupo, mas os prejuízos devem ser compartilhados com toda a sociedade.
E crescem as intervenções, as ameaças de conflito, em busca de mercados e fontes de energia. A liberdade de mercado? Significa somente que os grandes fazem tudo o que querem e os pequenos pagam a conta.
"Agora quem vai salvá-los é o Estado, que eles diziam que não servia para nada"E parece que o Estado ainda terá muitas contas para pagar. Principalmente nos EUA, bastião mundial da imposição do modelo neoliberal. Mesmo com todos os investimentos estatais o setor privado nos EUA perdeu 130 mil empregos somente no mês de julho. O resultado foi desanimador e também preocupante por indicar que o ritmo de crescimento dos norte-americanos no terceiro trimestre será ainda menor do que no segundo.
Assim é que os agentes e defensores do mercado livre revelam suas prioridades. Quanto a crise chega tratam de defender seus interesses, cortam todos os investimentos e jogam toda responsabilidade para o Estado, que é a mesma coisa que jogar os prejuízos nas costas de toda população. É a velha lógica da socialização das perdas, discutida pelo economista brasileiro Celso Furtado: os lucros são privados e só pertencem a um pequeno grupo, mas os prejuízos devem ser compartilhados com toda a sociedade.
E crescem as intervenções, as ameaças de conflito, em busca de mercados e fontes de energia. A liberdade de mercado? Significa somente que os grandes fazem tudo o que querem e os pequenos pagam a conta.
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Informação: mais uma mercadoria
Todos que utilizam a internet conhecem as ferramentas de busca. Sites como o Google, Yahoo, Ask entre vários outros se tornaram populares por facilitarem o acesso às informações disponíveis na rede. Sem eles teríamos que saber os endereços específicos de cada site desejado, o que limitaria a capacidade de pesquisa da imensa maioria das pessoas. A liberdade de acesso ao conteúdo e a facilidade de encontrá-lo na internet tem sido defendida por todos que acreditam que o conhecimento deve ser partilhado e não ficar sobre o controle de poucos.
Pois a Google e a Verizon estão dando os primeiros passos para mudarem definitivamente tal realidade. As duas empresas, gigantes no mundo da internet, estão negociando um acordo para que as empresas possam pagar para que seus conteúdos apareçam sempre mais rapidamente nas buscas na rede. Basicamente a empresa que pagar mais vai aparecer sempre em primeiro lugar na listagem de uma busca online. Atualmente o Google já coloca em destaque empresas de anunciantes pagos nas buscas realizadas em seu site, apresentando a inscrição "link patrocinado". Mas os demais links que aparecem nas buscas seguem o princípio da "net neutrality", a neutralidade da rede, que defende que todas as informações que nela circulam devem possuir a mesma velocidade, ou seja, receberem sempre o mesmo tratamento pelos provedores, sem discriminação sobre sua origem. A proposta em negociação acaba com tal princípio, de modo que quem pagar mais terá mais velocidade, os demais ficarão para trás. Desse modo uma busca feita na rede não irá apontar necessariamente a informação desejada, mas sim o link para o anunciante pago que mais se aproximar dos critérios estabelecidos. Exemplo. Suponha que quero pesquisar estatísticas sobre acidentes de carros no ano de 2010. Lanço então a busca com os seguintes termos: estatísticas acidentes carros 2010. Pelo acordo pretendido eu receberei de volta uma listagem de indústrias automobilísticas, seguida por grandes redes de revenda de automóveis, enquanto que a informação que realmente desejo, disponível nos sites públicos dos órgãos de trânsito do governo, estarão perdidas em algum lugar.
A maioria dos usuários da rede talvez não saiba, mas companhias como a Google retiram seus lucros dos anunciantes pagos. A empresa vende, como gostam de dizer, palavras. São os termos que estarão associados ao link da empresa anunciante. Uma indústria de carros pode, por exemplo, comprar um conjunto de palavras tais como: carro, automóvel, motor, promoção, conforto, estabilidade, hidráulica, pneu, corrente, bateria etc. Se o acordo passar um músico procurando comprar uma bateria pode acabar surpreso com o resultado de sua busca!
As negociações ocorrem nos EUA, e a FCC (Federal Communications Commission), órgão do governo norte-americano que regula tais questões,não dispõe de instrumentos legais para realmente impedí-la.
Pois a Google e a Verizon estão dando os primeiros passos para mudarem definitivamente tal realidade. As duas empresas, gigantes no mundo da internet, estão negociando um acordo para que as empresas possam pagar para que seus conteúdos apareçam sempre mais rapidamente nas buscas na rede. Basicamente a empresa que pagar mais vai aparecer sempre em primeiro lugar na listagem de uma busca online. Atualmente o Google já coloca em destaque empresas de anunciantes pagos nas buscas realizadas em seu site, apresentando a inscrição "link patrocinado". Mas os demais links que aparecem nas buscas seguem o princípio da "net neutrality", a neutralidade da rede, que defende que todas as informações que nela circulam devem possuir a mesma velocidade, ou seja, receberem sempre o mesmo tratamento pelos provedores, sem discriminação sobre sua origem. A proposta em negociação acaba com tal princípio, de modo que quem pagar mais terá mais velocidade, os demais ficarão para trás. Desse modo uma busca feita na rede não irá apontar necessariamente a informação desejada, mas sim o link para o anunciante pago que mais se aproximar dos critérios estabelecidos. Exemplo. Suponha que quero pesquisar estatísticas sobre acidentes de carros no ano de 2010. Lanço então a busca com os seguintes termos: estatísticas acidentes carros 2010. Pelo acordo pretendido eu receberei de volta uma listagem de indústrias automobilísticas, seguida por grandes redes de revenda de automóveis, enquanto que a informação que realmente desejo, disponível nos sites públicos dos órgãos de trânsito do governo, estarão perdidas em algum lugar.
A maioria dos usuários da rede talvez não saiba, mas companhias como a Google retiram seus lucros dos anunciantes pagos. A empresa vende, como gostam de dizer, palavras. São os termos que estarão associados ao link da empresa anunciante. Uma indústria de carros pode, por exemplo, comprar um conjunto de palavras tais como: carro, automóvel, motor, promoção, conforto, estabilidade, hidráulica, pneu, corrente, bateria etc. Se o acordo passar um músico procurando comprar uma bateria pode acabar surpreso com o resultado de sua busca!
As negociações ocorrem nos EUA, e a FCC (Federal Communications Commission), órgão do governo norte-americano que regula tais questões,não dispõe de instrumentos legais para realmente impedí-la.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Os que podem ser violentos
Nos últimos dias vimos o presidente Lula oferecer asilo político à iraniana acusada de adultério e condenada à morte por apedrejamento. Foi elogiado por alguns, inclusive os EUA, e criticado por outros. O porta-voz do Ministério do Exterior iraniano declarou que o presidente seria "emotivo" e desinformado sobre o caso. Apesar do caso Lula prosseguiu defendendo o acordo assinado com o Irã sobre a questão da construção das usinas nucleares, mencionando Maquiavel: as grandes potências estariam tentando dividir a unidade das menores para melhor controlá-las. Dividir para conquistar...
E diante de toda a comoção ao redor do caso da iraniana vemos a ação da policia francesa ao retirar um grupo de imigrantes de suas moradias: mulheres grávidas sendo arrastadas, crianças caindo do colo de suas mães e sendo também arrastadas, pessoas sendo agarradas e jogadas. Surgiram manifestações de repúdio, mas o provável é que nada além disso aconteça. Nenhuma manifestação afetiva das grandes potências. É que a França pertence ao Conselho de Segurança da ONU, defende a democracia, luta pela liberdade e possuí armas nucleares.
Abaixo o vídeo original e a matéria da BBC-Brasil.
E diante de toda a comoção ao redor do caso da iraniana vemos a ação da policia francesa ao retirar um grupo de imigrantes de suas moradias: mulheres grávidas sendo arrastadas, crianças caindo do colo de suas mães e sendo também arrastadas, pessoas sendo agarradas e jogadas. Surgiram manifestações de repúdio, mas o provável é que nada além disso aconteça. Nenhuma manifestação afetiva das grandes potências. É que a França pertence ao Conselho de Segurança da ONU, defende a democracia, luta pela liberdade e possuí armas nucleares.
Abaixo o vídeo original e a matéria da BBC-Brasil.
domingo, 1 de agosto de 2010
Parcerias
Sob o título de "Dos táxis aos têxteis, Itália escolha tradição ao invés do desenvolvimento", foi publicada uma longa matéria do jornalista David Segal no New York Times, contanto a história de Luciano Barbera, dono de uma fábrica de tecidos feitos artesanalmente. Resumindo a questão: o método artesanal de produção da fábrica não é capaz mais de competir no mercado. Principalmente pelo fato de que a legislação italiana permite que a etiqueta "Feito na Itália" seja colocada em produtos que tenham tido uma das etapas de sua produção no país, não importando, por exemplo, se o tecido veio da China. Barbera é um dos que lutam atualmente para mudar tal legislação, para que somente os produtos feitos integralmente na Itália possam receber a etiqueta.
Do outro lado da questão, Segal mostra que na Itália toda economia é limitada pelas tradições. Muitos negócios são familiares e não se expandem pelo temor da perda de controle. Tal medo também reflete outro: o da concorrência. A Itália possuí inúmeras "associações de categorias", que controlam a entrada de novos profissionais, fiscalizam o trabalho e estabelecem preços. Tudo dentro do mais tradicional molde medieval das corporações de ofício. Por isso a matéria também se pergunta no início: "Será a Itália demasiadamente italiana?". Os italianos suspeitam das instituições que sejam extra-familiares.
Bom! E daí? Os negócios do senhor Barbera começam a demonstrar sinais de decadência claros, com uma redução no momento de 50% dos lucros. A saída encontrada é o mais interessante: vender seus tecidos de altíssima qualidade para um promissor e crescente mercado de consumidores chineses. Fica mais interessante ainda quando vemos os chineses assinando um acordo de cooperação econômica e técnica com Cuba. Em troca dos produtos chineses os cubanos oferecem o que possuem de melhor: medicamentos e técnicas oftalmológicas.
Os chineses ampliam a venda de seus produtos, famosos por reproduzirem com qualidade inferior alguns produtos ocidentais (a indústria de celulares é um bom exemplo), enquanto realizam parcerias para receberem o que alguns países tem de melhor para oferecer. Para o senhor o Barbera pode ser a salvação do negócio da família, para os cubanos uma possibilidade de oferta de produtos necessários que ajudem a sustentar um pouco mais o seu regime. E a China surge como a salvação da tradição familiar e dos ideais revolucionários! Ela já é nossa principal parceira comercial. São as alianças que despertam preocupação nos EUA e seus demais aliados (lembrando que os chineses também são parceiros comerciais do Irã). Não é, portanto, um problema de defesa da democracia e da liberdade.
Do outro lado da questão, Segal mostra que na Itália toda economia é limitada pelas tradições. Muitos negócios são familiares e não se expandem pelo temor da perda de controle. Tal medo também reflete outro: o da concorrência. A Itália possuí inúmeras "associações de categorias", que controlam a entrada de novos profissionais, fiscalizam o trabalho e estabelecem preços. Tudo dentro do mais tradicional molde medieval das corporações de ofício. Por isso a matéria também se pergunta no início: "Será a Itália demasiadamente italiana?". Os italianos suspeitam das instituições que sejam extra-familiares.
Bom! E daí? Os negócios do senhor Barbera começam a demonstrar sinais de decadência claros, com uma redução no momento de 50% dos lucros. A saída encontrada é o mais interessante: vender seus tecidos de altíssima qualidade para um promissor e crescente mercado de consumidores chineses. Fica mais interessante ainda quando vemos os chineses assinando um acordo de cooperação econômica e técnica com Cuba. Em troca dos produtos chineses os cubanos oferecem o que possuem de melhor: medicamentos e técnicas oftalmológicas.
Os chineses ampliam a venda de seus produtos, famosos por reproduzirem com qualidade inferior alguns produtos ocidentais (a indústria de celulares é um bom exemplo), enquanto realizam parcerias para receberem o que alguns países tem de melhor para oferecer. Para o senhor o Barbera pode ser a salvação do negócio da família, para os cubanos uma possibilidade de oferta de produtos necessários que ajudem a sustentar um pouco mais o seu regime. E a China surge como a salvação da tradição familiar e dos ideais revolucionários! Ela já é nossa principal parceira comercial. São as alianças que despertam preocupação nos EUA e seus demais aliados (lembrando que os chineses também são parceiros comerciais do Irã). Não é, portanto, um problema de defesa da democracia e da liberdade.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Negociar
Os EUA sinalizaram que aceitam negociar novamente com o Irã. Talvez para poder desviar atenção para outros problemas, como os desvios de verba encobertos pelo exército no Iraque. Ou então, quem sabe, da confirmação sobre a ilegalidade da própria invasão ao Iraque feita por Hans Blix, que foi chefe do grupo de inspetores de armas da ONU, que vai liberar um inquérito sobre a questão até o final deste ano. Pode ser também, nunca é demais imaginar, para voltar a se aproximar do Brasil e da Turquia, principalmente depois que a Rússia resolveu não concordar mais oficialmente com as ações dos EUA sobre o Irã. Lembro que o Brasil e a Rússia são membros do BRIC. Enfim! Cada nó desatado cria outros mais complicados.
Conveniências
Escrevi ontem sobre as recentes declarações do primeiro-ministro russo Putin. Ele acusa os EUA e outras nações não respeitarem as determinações da ONU sobre o Irã. Antes ele havia confraternizado com os espiões deportados e previsto um futuro promissor aos mesmos. Pois hoje estava vendo as manchetes do New York Times e chamou-me atenção uma reportagem sobre a corrupção na policia russa. Um policial publicou, no final de 2009, dois vídeos no Youtube com um desabafo e um pedido de ajuda à Putin. Ele denunciou os casos de corrupção, subornos cotidianos praticados pela policia russa. São tão numerosos os valores que os chefes de policia se tornam capazes de comprar carros e casas luxuosas, incompatíveis com os baixos salários que recebem. A ação do governo e da policia russa foi investigar e prender o autor dos vídeos. Existem outros casos semelhantes, em que as pessoas são diretamente ameaçadas de morte e espancadas para desistirem de denunciar a corrupção policial. A reportagem do NYT vincula diretamente os casos de corrupção com a conivência do governo de Putin e Medvedev. Se as denuncias são graves, certamente são, não deixa de ser interessante ressaltar que a matéria surge agora, mais de seis meses após a divulgação dos vídeos do hoje ex-policial e justamente quando Putin se mostrou novamente critico aos interesses norte-americanos. No mesmo momento em que ele faz uma declaração sobre a falta de legitimidade de algumas ações do governo norte-americano surge a divulgação de questionamentos sobre a honestidade de todo governo russo e acusações de falta de liberdade.
Certamente uma coincidência estranha. Parece que eles não vão comer outro hambúrguer tão cedo.
Certamente uma coincidência estranha. Parece que eles não vão comer outro hambúrguer tão cedo.
terça-feira, 27 de julho de 2010
Siga o mestre
Os EUA se negaram a continuar negociando com o Irã. No lugar do diálogo e da aceitação do acordo mediado pelo Brasil e pela Turquia (que seguia as linhas traçadas pelo governo norte-americano), partiram para as sanções unilaterais, primeiro com a ONU, depois sem ela. Também não conversam com a Coreia do Norte e apresentam novas sanções unilaterais no lugar. Agora temos Uribe, futuro ex-presidente da Colômbia, afirmando que não vai aceitar nenhum tipo de negociação com as FARC. Ele prefere manter o discurso de combate ao terrorismo e continuar acusando a Venezuela. Faltando poucos dias para sair do cargo ele deixa para seu sucessor uma crise política em plena efervescência. Ou pode ser que simplesmente ele não deseje realmente sair do cargo. Se for caso ele tem boas chances de contar com a mesma simpatia que o governo norte-americano demonstrou aos golpistas em Honduras no caso de Zelaya.
Complicadores
Parece que a Rússia resolveu sacudir as coisas. Primeiro foi a recepção de Putin aos espiões deportados, com direito a canções patrióticas soviéticas, elogios diversos e a previsão de um "futuro brilhante". Agora foi o Ministério do Exterior da Rússia que condenou as sanções aprovadas pelos EUA e pela União Européia ao Irã. Ressaltaram que essas nações estão mostrando desprezo pelas resoluções da ONU, que já aprovou um pacote de sanções ao Irã, inclusive com apoio da Rússia.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, o governo Obama lida com o desaparecimento de 8,7 bilhões de dólares enviados para a reconstrução do Iraque. Até agora os militares somente se justificaram dizendo que os registros dos gastos do dinheiro devem estar arquivados... O problema é saber onde!
Espiões patrióticos e corrupção entre os militares: os sustentáculos da democracia...
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, o governo Obama lida com o desaparecimento de 8,7 bilhões de dólares enviados para a reconstrução do Iraque. Até agora os militares somente se justificaram dizendo que os registros dos gastos do dinheiro devem estar arquivados... O problema é saber onde!
Espiões patrióticos e corrupção entre os militares: os sustentáculos da democracia...
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Educação através da força
O projeto de lei que propõe a proibição dos castigos físicos em crianças pode representar uma oportunidade para a sociedade refletir sobre alguns de seus hábitos consolidados. Existe a questão de que a lei procura regulamentar relações da intimidade doméstica, o que dificultará sua efetiva aplicação. Há também a desaprovação da lei pela maioria das pessoas entrevistadas em recente pesquisa do Datafolha. Sem contar ainda a temática das agressões verbais, morais, de fiscalização ainda mais complicada e de efeitos profundos na vida dos jovens.
Os dados da pesquisa do Datafolha merecem destaque:
Se não há adesão da maioria ao projeto também não é possível dizer que ele não receba apoio algum. A matéria da Folha mostra ainda que o mesmo tipo de lei não contou com apoio da maioria da população quando foi aprovada em 1980 na Suécia, quadro que hoje é completamente diferente. 21 países da Europa já aprovaram leis similares. Há inclusive uma campanha sobre o assunto feita pelo Conselho da Europa, mas que não conta a adesão de países como França e Reino Unido.
Temos que considerar que as leis não devem expressar necessariamente as vontades imediatas das pessoas, sob o risco de as vermos mudar de acordo com o humor cotidiano da maioria. Ficamos sem saber, porém, um dado muito importante indicado na pesquisa: se os 16% que afirmaram apanhar sempre são favoráveis ou contrários ao projeto de lei. A opinião dos que mais foram castigados poderia levantar várias possibilidades de discussão sobre os impactos da violência na educação dos filhos.
Chama atenção que parece que os homens são castigados em um número pouco superior às mulheres, mas que as mães castigam mais do que os pais. Os dados podem revelar a continuidade dos papéis tradicionais, em que as mães ficam mais tempo cuidando dos filhos e logo acabam castigando mais.
É a mesma cultura de violência que permite que se considere normal as agressões dos homens contra mulheres, como parte do cotidiano dos casais, conforme as declarações infelizes do goleiro Bruno alguns meses antes de sua prisão. Os mais fortes agridem os mais fracos com a justificativa de que querem "educá-los", ou mesmo de que perderam o controle (mas por culpa de algo feito pela vítima da violência). Como vemos ocorrer entre as nações. Sanções são adotadas, navios são invadidos, pessoas são torturadas, inocentes morrem em ataques, tudo em nome da disciplina que supostamente gera a paz. A pesquisa do Datafolha indica que muitas pessoas quando crescem reproduzem o hábito de bater. Parece que não somente dentro de casa.
Os dados da pesquisa do Datafolha merecem destaque:
- foram 10.905 pessoas entrevistadas, das quais 54% são contra o projeto de lei e 36% favoráveis;
- 69% das mães e 44% dos pais já deram algum tipo de castigo físico aos filhos;
- entre os homens 74% revelaram já terem apanhado dos pais contra 69% das mulheres;
- No total 72% das pessoas revelaram que já sofreram castigos físicos;
- 16% afirmaram que sempre apanhavam.
Se não há adesão da maioria ao projeto também não é possível dizer que ele não receba apoio algum. A matéria da Folha mostra ainda que o mesmo tipo de lei não contou com apoio da maioria da população quando foi aprovada em 1980 na Suécia, quadro que hoje é completamente diferente. 21 países da Europa já aprovaram leis similares. Há inclusive uma campanha sobre o assunto feita pelo Conselho da Europa, mas que não conta a adesão de países como França e Reino Unido.
Temos que considerar que as leis não devem expressar necessariamente as vontades imediatas das pessoas, sob o risco de as vermos mudar de acordo com o humor cotidiano da maioria. Ficamos sem saber, porém, um dado muito importante indicado na pesquisa: se os 16% que afirmaram apanhar sempre são favoráveis ou contrários ao projeto de lei. A opinião dos que mais foram castigados poderia levantar várias possibilidades de discussão sobre os impactos da violência na educação dos filhos.
Chama atenção que parece que os homens são castigados em um número pouco superior às mulheres, mas que as mães castigam mais do que os pais. Os dados podem revelar a continuidade dos papéis tradicionais, em que as mães ficam mais tempo cuidando dos filhos e logo acabam castigando mais.
É a mesma cultura de violência que permite que se considere normal as agressões dos homens contra mulheres, como parte do cotidiano dos casais, conforme as declarações infelizes do goleiro Bruno alguns meses antes de sua prisão. Os mais fortes agridem os mais fracos com a justificativa de que querem "educá-los", ou mesmo de que perderam o controle (mas por culpa de algo feito pela vítima da violência). Como vemos ocorrer entre as nações. Sanções são adotadas, navios são invadidos, pessoas são torturadas, inocentes morrem em ataques, tudo em nome da disciplina que supostamente gera a paz. A pesquisa do Datafolha indica que muitas pessoas quando crescem reproduzem o hábito de bater. Parece que não somente dentro de casa.
sábado, 24 de julho de 2010
O Big Mac e a casa própria
Como podemos relacionar esses dois temas dispares? Primeiramente lembrando que a revista The Economist costuma apresentar o Índice Big Mac, que utiliza o preço do famoso lanche nos vários países para calcular com anda a situação cambial dos mesmos. Basicamente eles convertem o preço do lanche da moeda local para dólar e elaboram um ranking. O preço do Big Mac nos EUA é colocado como o parâmetro de comparação. O Brasil aparece em quarto lugar entre os países com o Big mac mais caro: US$ 4,91. Nos EUA o lanche sai por US$ 3,73. Realizando um novo cálculo a revista indica que o Real pode estar sobrevalorizado em relação ao dólar em cerca de 31%, ou seja, que o dólar no Brasil deveria estar valendo R$ 2,33. A meta ideal nesse índice é que o lanche custe o mesmo que nos EUA. A revista admite que ele não muito preciso, mas serve para fornecer um quadro geral.
Vamos ao segundo ponto, da casa própria. Uma rápida busca por notícias no Google pode nos apresentar algo que a maioria já percebeu na prática: um aumento absurdo no preço dos imóveis, novos ou usados. Em Copacabana no Rio de Janeiro os imóveis valorizaram 48% de janeiro de 2009 para janeiros de 2010. No Morumbi em São Paulo o preço do metro quadrado passou de R$ 2.800,00 para R$ 3.700,00 nos últimos dois anos. Matéria da Globo.com mostra os seguintes dados da valorização dos imóveis em algumas capitais:
* Recife - 60% em um ano;
* Brasília - 50% em dois anos;
* Rio de Janeiro - 100% em dois anos;
* São Paulo - 100% em cinco anos;
* Curitiba - 100% em dois anos;
* Porto Alegre - 10,5% em um ano.
Vários fatores são apresentados para justificar os aumentos, inclusive um aumento da demanda, particularmente em São Paulo e no Rio de Janeiro , quer seja pela maior facilidade de crédito ou pelas perspectivas de futuro com as Olimpíadas e a Copa do Mundo.
Qualquer que seja a questão a euforia imobiliária vista em paralelo com o Índice Big Mac apresenta um quadro parecido com o dos EUA antes da atual crise. Mas com uma grande diferença: nossos salários aqui são muito mais baixos. E nem é preciso dizer que o reajuste dos salários não acompanhou a valorização dos imóveis. Na eventualidade de uma situação de desemprego o que irá acontecer com todos esses financiamentos de imóveis? Principalmente se considerarmos que a maioria das famílias brasileiras não recebem o suficiente para guardarem reservas financeiras? Se nossa moeda estiver realmente sobrevalorizada em 31% então o que ocorre no mercado de imóveis com seus aumentos acima de 50% é a mais pura e simples descrição da super especulação financeira. E os preços não subiram somente nas capitais, onde a média salarial é mais alta.
Temos então uma moeda e um mercado sobrevalorizado, mas com uma população que continua ganhando muito pouco. Basta comparar com os dados do salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos). Um junho de 2010 ele deveria ter sido de R$ 2.092,36, bem distante dos atuais R$ 510,00. Quatro vezes menor, ou 24,4% do valor ideal. Por isso ainda continuamos precisando de programas variados de complementação de renda.
E não adianta culpar o governo atual. O Real sempre foi apontado, desde o seu início, como uma moeda que estava sobrevalorizada. Basta lembrar que ele começou com um parelhamento com relação ao dólar, através da URV (Unidade Real da Valor). Quem ainda se lembra que a URV valia CR$ 2.750,00, que era o valor aproximado do dólar na época (1993-94)? E que um Real valia uma URV na conversão da moeda? O plano Real criou um caminho sem volta, que os governos tiveram que sustentar de diferentes maneiras diante do risco do colapso completo. Podemos estar diante do início do fim do ciclo de euforia iniciado com o Real, indicados pelos sinais de sobrevalorização da moeda e do mercado.
Vamos ao segundo ponto, da casa própria. Uma rápida busca por notícias no Google pode nos apresentar algo que a maioria já percebeu na prática: um aumento absurdo no preço dos imóveis, novos ou usados. Em Copacabana no Rio de Janeiro os imóveis valorizaram 48% de janeiro de 2009 para janeiros de 2010. No Morumbi em São Paulo o preço do metro quadrado passou de R$ 2.800,00 para R$ 3.700,00 nos últimos dois anos. Matéria da Globo.com mostra os seguintes dados da valorização dos imóveis em algumas capitais:
* Recife - 60% em um ano;
* Brasília - 50% em dois anos;
* Rio de Janeiro - 100% em dois anos;
* São Paulo - 100% em cinco anos;
* Curitiba - 100% em dois anos;
* Porto Alegre - 10,5% em um ano.
Vários fatores são apresentados para justificar os aumentos, inclusive um aumento da demanda, particularmente em São Paulo e no Rio de Janeiro , quer seja pela maior facilidade de crédito ou pelas perspectivas de futuro com as Olimpíadas e a Copa do Mundo.
Qualquer que seja a questão a euforia imobiliária vista em paralelo com o Índice Big Mac apresenta um quadro parecido com o dos EUA antes da atual crise. Mas com uma grande diferença: nossos salários aqui são muito mais baixos. E nem é preciso dizer que o reajuste dos salários não acompanhou a valorização dos imóveis. Na eventualidade de uma situação de desemprego o que irá acontecer com todos esses financiamentos de imóveis? Principalmente se considerarmos que a maioria das famílias brasileiras não recebem o suficiente para guardarem reservas financeiras? Se nossa moeda estiver realmente sobrevalorizada em 31% então o que ocorre no mercado de imóveis com seus aumentos acima de 50% é a mais pura e simples descrição da super especulação financeira. E os preços não subiram somente nas capitais, onde a média salarial é mais alta.
Temos então uma moeda e um mercado sobrevalorizado, mas com uma população que continua ganhando muito pouco. Basta comparar com os dados do salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos). Um junho de 2010 ele deveria ter sido de R$ 2.092,36, bem distante dos atuais R$ 510,00. Quatro vezes menor, ou 24,4% do valor ideal. Por isso ainda continuamos precisando de programas variados de complementação de renda.
E não adianta culpar o governo atual. O Real sempre foi apontado, desde o seu início, como uma moeda que estava sobrevalorizada. Basta lembrar que ele começou com um parelhamento com relação ao dólar, através da URV (Unidade Real da Valor). Quem ainda se lembra que a URV valia CR$ 2.750,00, que era o valor aproximado do dólar na época (1993-94)? E que um Real valia uma URV na conversão da moeda? O plano Real criou um caminho sem volta, que os governos tiveram que sustentar de diferentes maneiras diante do risco do colapso completo. Podemos estar diante do início do fim do ciclo de euforia iniciado com o Real, indicados pelos sinais de sobrevalorização da moeda e do mercado.
sexta-feira, 23 de julho de 2010
Obviamente...
Os EUA apoiaram as acusações do governo Colombiano contra a Venezuela e defenderam a instauração de uma comissão internacional para investigar a questão, ou seja, para irem até lá verificar os fatos. Qual é a surpresa? Os EUA estão se tornando os campeões na defesa de intervenções militares em outros países, particularmente nos que não são seus aliados diretos, baseados sempre em supostas evidências levantadas pelos que são seus aliados.
E ainda precisamos ler na imprensa livre e democrática que o ditador Chaves é um louco por se opor. Ele certamente não é um anjo, mas se os elementos que o classificam como ditador forem somente os que se relacionam com a briga de seu governo com as mídias venezuelanas que apoiaram o golpe de estado fracassado contra ele (golpe por sinal apoiado pelos EUA), então é preciso definir melhor o que as pessoas estão entendendo por democracia.
Vivemos em mundo em que, cada vez mais, a verdade é definida pela vontade dos mais fortes, ser livre é fazer aquilo que os mais fortes dizem ser o correto e democracia somente a palavra vazia que indica que quem manda são os mais fortes.
E ainda precisamos ler na imprensa livre e democrática que o ditador Chaves é um louco por se opor. Ele certamente não é um anjo, mas se os elementos que o classificam como ditador forem somente os que se relacionam com a briga de seu governo com as mídias venezuelanas que apoiaram o golpe de estado fracassado contra ele (golpe por sinal apoiado pelos EUA), então é preciso definir melhor o que as pessoas estão entendendo por democracia.
Vivemos em mundo em que, cada vez mais, a verdade é definida pela vontade dos mais fortes, ser livre é fazer aquilo que os mais fortes dizem ser o correto e democracia somente a palavra vazia que indica que quem manda são os mais fortes.
A violência no Brasil através dos olhos do "Rambo"
Passei os olhos em uma dessas notícias de celebridades, que no caso era sobre Sylvester Stallone. Algumas localidades de seu novo filme, "Os Mercenários", foram rodadas no Rio de Janeiro. Durante evento na Comic-Con Stallone fez várias piadas de gosto duvidoso sobre o Brasil. Mas colocando de lado os comentários deploráveis do ator sobre um suposto comportamento subserviente dos brasileiros durante as filmagens, temos a seguinte declaração que merece um olhar mais atento:
O que talvez tenha incomodado realmente nos comentários do ator não foi a constatação de nossa triste realidade de violência urbana. Stallone ficou famoso fazendo filmes que retratam o mesmo tipo de violência realizada pelo BOPE e com a mesma justificativa: defender os inocentes. Incomoda é o ator achar que gostamos de viver assim. Uma de suas falas foi a seguinte:
"Os policiais de lá usam camisetas com uma caveira, duas armas e uma adaga cravada no centro; já imaginou se os policiais de Los Angeles usassem isso? Já mostra o quão problemático é aquele lugar"Não podemos dizer que ele não tenha um pouco de razão. As técnicas do BOPE são conhecidas e fizeram muito sucesso nos cinemas nacionais. Tivemos o recente caso do menino morto por uma bala perdida dentro de sua sala de aula. Muitos mais poderiam ser lembrados. A caveira como símbolo de forças de policiais ou militares foi utilizado também pelos oficiais nazistas da SS, que comandava os Campos de Concentração e Extermínio. É um símbolo de violência, ainda mais quando "ornamentado" com algumas armas.
O que talvez tenha incomodado realmente nos comentários do ator não foi a constatação de nossa triste realidade de violência urbana. Stallone ficou famoso fazendo filmes que retratam o mesmo tipo de violência realizada pelo BOPE e com a mesma justificativa: defender os inocentes. Incomoda é o ator achar que gostamos de viver assim. Uma de suas falas foi a seguinte:
"Gravar no Brasil foi bom, pois pudemos matar pessoas, explodir tudo e eles diziam obrigado. Diziam 'obrigado, obrigado e leve um macaco'. Pudemos explodir vários prédios e todos ficaram felizes e ainda trouxeram cachorros-quentes para aproveitar o fogo"Na sua tentativa de "humor" reside o centro da irritação que provocou. Fomos responsabilizados pela continuidade da violência e das práticas de ilegalidade, como um povo que se aproveita das tragédias que acontecem. Mas é preciso que nossa indignação com as declarações sejam revertidas em cada vez mais numerosas demonstrações práticas do erro analítico de Stallone. Somente assim poderemos impedir a reprodução de comentários desse mesmo tipo e, acima de tudo, construir o país próspero em que todos desejamos viver.
quinta-feira, 22 de julho de 2010
O desejo de combater
Selecionei duas falas, aparentemente desconexas, para meu comentário de hoje. A primeira de um artigo da BBC-Brasil, falando sobre a frustração sentida pelos soldados norte-americanos que não chegam a entrar em combate:
Depois vemos o relato do professor, mostrando que seus alunos não se acostumam com a violência em que vivem ao contrário do que se escuta (inclusive ao longo de outros depoimentos colhidos na matéria do UOL). Sentem medo, por eles mesmos e suas famílias, imersos no que já foi descrito várias vezes como uma zona de guerra.
Os policiais nas zonas de risco do Rio de Janeiro enfrentam então uma guerra. Podemos imaginar então que eles querem lutar como qualquer outro soldado, ou pelo menos uma parte deles. Receberam treinamento para isso. Os bandidos ligados ao tráfico também se organizam como grupos paramilitares, desenvolvem seus próprios códigos de lealdade e valentia. São todos soldados em uma zona de guerra.
No meio estão os que são vitimados, que temem pelas vidas de seus familiares e amigos, quer seja no Rio de Janeiro ou na Faixa de Gaza. Em que ponto o medo descrito pelo professor é substituído pela motivação para entrar em combate (de um lado ou de outro do conflito)? Que forças estimulam o desejo pelo combate e enfraquecem a vivência pacífica?
"A média da população não se ofereceria para o serviço militar voluntariamente, então não entende o que motiva uma pessoa a lutar em uma zona de guerra" (Jay Agg, fuzileiro naval, gerente de comunicações do grupo de veteranos Amvets)A segunda aparece em artigo do site UOL, relatando a rotina de violência em escolas localizadas em áreas de risco no Rio de Janeiro:
“Os alunos ficam muito nervosos. Não tem essa de ‘eles já estão acostumados’. Não, eles ficam nervosos mesmo. E querem saber notícias, como estão os parentes, querem saber se está tudo certo. E aí a gente tem que ir para o corredor, mas que também não garante segurança. Um corredor onde também há muitas janelas. Não tem espaço na escola que dê proteção.” (professor que solicitou não ser identificado)O soldado norte-americano quer lutar. É algo relacionado com o companheirismo criado nos treinamentos. Nas forças armadas o soldado se torna parte de algo maior do que ele mesmo, não é somente sua bravura individual que importa, mas sua integração com o conjunto. Ser capaz de obedecer ordens que podem evitar a morte de seus irmãos em armas. A disposição inicial para o combate é direcionada para o bem do grupo e dos objetivos das missões traçadas.
Depois vemos o relato do professor, mostrando que seus alunos não se acostumam com a violência em que vivem ao contrário do que se escuta (inclusive ao longo de outros depoimentos colhidos na matéria do UOL). Sentem medo, por eles mesmos e suas famílias, imersos no que já foi descrito várias vezes como uma zona de guerra.
Os policiais nas zonas de risco do Rio de Janeiro enfrentam então uma guerra. Podemos imaginar então que eles querem lutar como qualquer outro soldado, ou pelo menos uma parte deles. Receberam treinamento para isso. Os bandidos ligados ao tráfico também se organizam como grupos paramilitares, desenvolvem seus próprios códigos de lealdade e valentia. São todos soldados em uma zona de guerra.
No meio estão os que são vitimados, que temem pelas vidas de seus familiares e amigos, quer seja no Rio de Janeiro ou na Faixa de Gaza. Em que ponto o medo descrito pelo professor é substituído pela motivação para entrar em combate (de um lado ou de outro do conflito)? Que forças estimulam o desejo pelo combate e enfraquecem a vivência pacífica?
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Energia e ecologia
De tempos em tempos lemos ou ouvimos comentários sobre o que poderia acontecer com o mundo se todas as pessoas tivessem o mesmo padrão de consumo que os norte-americanos. O alerta foi feito várias vezes pela WWF, ONG que atua mundialmente na área ambiental. Basicamente estamos consumindo muito mais do que o planeta pode produzir e, a julgar pelo rumo das coisas, caminhamos para uma crise de abastecimento global. As estimativas apontam que seriam necessários quatro planetas Terra e meio para que todos nós desfrutemos do mesmo padrão de consumo do norte-americano médio.
E já não adianta imaginar que nem todos no planeta irão atingir o padrão de consumo norte-americano. Os chineses já os ultrapassaram no quesito consumo de energia. Não quer dizer que todos os cidadãos estejam consumindo mais energia individualmente, pois a média geral para os chineses ainda é um quinto do consumo feito pelo cidadão médio norte-americano. Mas o gasto feito pelas indústrias e pelos grandes centros urbanos incrementaram os números do consumo geral de energia. E como cada vez mais chineses estão prosperando economicamente as perspectivas de crescimento são enormes.
A que tudo isso nos leva? Aos intermináveis debates nos fóruns mundiais. Os governantes dos países mais ricos não podem simplesmente pedir à sua população que consuma menos, ainda mais em um momento de crise econômica. Os governantes dos países mais pobres também não podem simplesmente determinar que sua população deverá viver indeterminadamente em patamares de subsistência, sem almejar por nenhuma prosperidade. Surgem então as soluções tradicionais travestidas pelo discurso da modernidade: conquistar novas áreas para exploração, quer seja através da subordinação econômica e política, quer seja com o emprego da força militar. E voltam os espiões, as ameaças nucleares, os exercícios militares, a busca por alianças.
Uma observação final apenas: são os mesmos fatores que transformam o risco de explorar petróleo em grandes profundidades em uma necessidade. A necessidade de manter o sistema e adiar as mudanças cada vez mais inevitáveis.
E já não adianta imaginar que nem todos no planeta irão atingir o padrão de consumo norte-americano. Os chineses já os ultrapassaram no quesito consumo de energia. Não quer dizer que todos os cidadãos estejam consumindo mais energia individualmente, pois a média geral para os chineses ainda é um quinto do consumo feito pelo cidadão médio norte-americano. Mas o gasto feito pelas indústrias e pelos grandes centros urbanos incrementaram os números do consumo geral de energia. E como cada vez mais chineses estão prosperando economicamente as perspectivas de crescimento são enormes.
A que tudo isso nos leva? Aos intermináveis debates nos fóruns mundiais. Os governantes dos países mais ricos não podem simplesmente pedir à sua população que consuma menos, ainda mais em um momento de crise econômica. Os governantes dos países mais pobres também não podem simplesmente determinar que sua população deverá viver indeterminadamente em patamares de subsistência, sem almejar por nenhuma prosperidade. Surgem então as soluções tradicionais travestidas pelo discurso da modernidade: conquistar novas áreas para exploração, quer seja através da subordinação econômica e política, quer seja com o emprego da força militar. E voltam os espiões, as ameaças nucleares, os exercícios militares, a busca por alianças.
Uma observação final apenas: são os mesmos fatores que transformam o risco de explorar petróleo em grandes profundidades em uma necessidade. A necessidade de manter o sistema e adiar as mudanças cada vez mais inevitáveis.
terça-feira, 20 de julho de 2010
Amizade de aluguel
É a proposta do site Rent a Friend e de outros similares existentes na Internet. Scott Rosenbaum é um dos que atuam nesse ramo e afirmou que teve ideia diante de facilidade de se encontrar ofertas de sexo e namoro na rede, mas que "Ninguém estava oferecendo amizade". Na verdade esses sites também não oferecem amizade. O "amigo" é alguém contratado para servir de guia turístico, companheiro de atividades físicas, companhia para um jantar, enfim! Tudo menos sexo.
Esses sites atribuem então o nome de "amizade" para uma gama de serviços variados, que já são executados por diferentes profissionais, como personal trainers, guias turísticos, terapeutas. Quantas vezes escutamos dos nossos pais e avôs a seguinte frase: "é nas dificuldades que conhecemos nossos verdadeiros amigos". Pois é! Se o cliente estiver em dificuldades financeiras não será capaz de alugar um amigo em nenhum desses sites. Se estiver em uma crise pessoal, depressivo, mas não tiver como pagar o serviço, não poderá contar com o apoio do "amigo". Ufa! É um alívio saber que ainda não conseguiram verdadeiramente comercializar a amizade!
Esses sites atribuem então o nome de "amizade" para uma gama de serviços variados, que já são executados por diferentes profissionais, como personal trainers, guias turísticos, terapeutas. Quantas vezes escutamos dos nossos pais e avôs a seguinte frase: "é nas dificuldades que conhecemos nossos verdadeiros amigos". Pois é! Se o cliente estiver em dificuldades financeiras não será capaz de alugar um amigo em nenhum desses sites. Se estiver em uma crise pessoal, depressivo, mas não tiver como pagar o serviço, não poderá contar com o apoio do "amigo". Ufa! É um alívio saber que ainda não conseguiram verdadeiramente comercializar a amizade!
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Enem revela, outra vez, o que deveria ser evidente
As escolas particulares ocupam os primeiros lugares do Enem novamente. Das vinte melhores 18 são privadas. As duas públicas que aparecem entre elas são ligadas à universidades, uma com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e outra com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A melhor escola, o Colégio Vértice em São Paulo, fez 749,7 pontos e a pior, a Escola Estadual Indígena Dom Pedro I no Amazonas, fez 249,25 pontos. Os vinte últimos lugares são ocupados somente por escolas públicas estaduais ou municipais. Até aqui nada de novo, pois é a repetição do quadro geral de todo Enem.
O Jornal do Brasil publicou entrevista com Wanda Engel, do Conselho de Governança do movimento Todos pela Educação, a qual afirma que o Enem não serve para avaliar a qualidade das escolas. Serve para avaliar a qualidade do aluno, uma vez que o exame não é obrigatório e muitas escolas estimulam somente a participação de seus melhores alunos. É um argumento importante. O Colégio Vértice teve 62 inscritos mas somente 37 fizeram a prova (cerca de 40,3% de ausentes). Já o colégio da UFV teve 159 inscritos, dos quais 152 fizeram a prova (somente 4,4% de ausentes). É uma diferença que certamente afeta o estar em primeiro lugar ou em sétimo (caso do colégio federal). O colégio que ficou em último teve 58 alunos inscritos e 40 que efetivamente fizeram a prova (31% de ausentes).
O relatório de classificação das escolas no Enem possuí 632 páginas (pode ser baixado aqui, do site da Folha.com), mas o ranking termina na página 485 (com o colégio aqui mencionado do Amazonas). As primeiras 80 páginas são praticamente exclusivas das privadas e as últimas 80 páginas quase exclusivas das públicas estaduais. Mas sobram 147 páginas com escolas que tiveram menos de 2% de seus alunos participando do exame e que por isso não tiveram suas notas divulgadas. São 5399 escolas, 3483 públicas e 1916 privadas, para as quais o Enem passou quase que literalmente em branco. São alunos que não vão poder disputar uma vaga em nenhuma das universidades federais que vão utilizar somente a nota do Enem como critério de seleção.
Mas o que é mais revelador nos dados do Enem, como sempre, é aquilo que é apontado como a receita do sucesso do primeiro lugar. Uma escola com 900 alunos, que não ultrapassa o máximo de 50 alunos por sala, com uma mensalidade que vai de R$ 2.253 até R$ 2.756, incluindo neste valor várias atividades extracurriculares, como aulas de música, atividades esportivas, dança, culinária, teatro entre outras. A escola estimula a autonomia dos alunos e enfatiza a leitura. Todos na escola estão atentos e disponíveis para identificar problemas com os alunos e atendê-los sempre que necessário. Buscam uma parceria de confiança mútua com as famílias, que precisam conhecer o trabalho da escola. O que fazem quando tal confiança não existe? Recomendam que os pais procurem outra escola para seus filhos. O salário médio pago aos professores é de R$ 7.000,00.
O Colégio de Aplicação da UFV possuí professores selecionados em concurso público, no qual a titulação é levada em consideração, em regime de dedicação exclusiva. Estão disponíveis para atender os alunos em todos os horários do dia. O salário inicial, divulgado em edital este ano, é de R$ 2.757,64, havendo uma progressão significativa deste valor no plano de carreira. No ano passado, 2009, a remuneração de seus professores ficou entre R$ 2.300,00 e R$ 5.800,00.
Não vamos nos alongar mais. A receita segue os seguintes pontos:
- escolas estruturadas para receber os alunos, com laboratórios, computadores e biblioteca;
- professores com dedicação exclusiva ou quase exclusiva;
- parceria real entre pais e escola (o que excluí a relação de cliente/empresa praticada em muitas escolas e universidades);
- respeito aos professores, demonstrado tanto pela direção, pelos alunos e os pais;
- respeitos aos alunos praticado por professores, direção e pais;
- estimular a qualificação dos profissionais;
- remuneração que valoriza o profissional e lhe permite uma dedicação exclusiva, bem como o tempo necessário para preparara aulas inovadoras, com uso de recursos tecnológicos.
E não importa se é privada ou pública, a receita é a mesma. Quem não gasta dinheiro e tempo de dedicação com a educação não colhe resultados positivos.
sábado, 17 de julho de 2010
O que significa liberdade e democracia para os defensores oficiais da liberdade de imprensa?
Matéria divulgada no portal UOL apresenta opinião de Alejandro Aguirre, presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), classificando os seguintes governantes como antidemocráticos:
Uma das coisas que me incomoda em toda a discussão atual sobre a liberdade de imprensa é justamente a freqüência com que os porta-vozes da grande imprensa empregam o termo democracia. Pois os grandes grupos que atuam na imprensa são a própria antítese da democracia. São empresas de capital privado, nós não escolhemos seus administradores. Ao mesmo tempo existem cada vez mais relatos de jornalistas destacando o controle sobre o que deve ou não ser publicado nas suas redações. Ao contrário do que é propalado a imprensa divulga somente o que atende aos seus interesses comerciais e certamente políticos. Basta verificar que, no geral, os grandes jornais divulgam basicamente as mesmas notícias, com enfoques que indicam a tendência política de quem autorizou a divulgação das mesmas.
Se a democracia implica na participação livre do povo por que tanta resistência em que sejam criados os mecanismos públicos de regulação da imprensa? Essa não é justamente a grande questão da democracia? A gestão nas mãos do povo?
O grande fato é que os grupos da grande imprensa atuam como um poder paralelo dentro de todos os Estados. São eles que transformam os fatos cotidianos em notícias, empregando critérios muitas vezes duvidosos. Lembro aqui de fato ocorrido em 2004. O jornalista Larry Rohter publicou matéria no The New York Times afirmando haver uma preocupação nacional no Brasil com o aumento de consumo de álcool pelo presidente Lula. As "fontes" utilizadas eram comentários e piadas de políticos da oposição ao governo. O que vimos então foi a revolta da imprensa nacional com a possibilidade de expulsão do jornalista (que atuava aqui como correspondente internacional do jornal norte-americano) discutida no governo, justamente por supostamente afrontar a liberdade de imprensa. Ainda que se possa considerar que a reportagem em si apenas divulgava a opinião expressa por um grupo de pessoas, tratou-se de um exemplo claro de que as informações que recebemos não são realmente verificadas pelos redatores dos grandes jornais (um resumo da polêmica pode ser lido aqui). E desse modo boatos e piados podem se tornar verdades. A liberdade de informar não deve ser confundida com a liberdade de difamar.
Voltando ao assunto inicial aqui tratado temos que considerar que existe também o direito, ou deveria existir, democrático de podermos criticar a imprensa. Todos nós, inclusive os membros do governo, sem com isso sermos tachados de antidemocráticos. O pressuposto central da democracia não é realmente somente a expressão da opinião pelo voto. Mas é a liberdade de participar do debate público, irrestrita para todos os cidadãos, acompanhada pela responsabilidade sobre aquilo que falamos.
A questão da propaganda oficial é também complicada. Sempre tento entender qual é a diferença real entre a propaganda de um produto qualquer que uma empresa tenta nos fazer comprar e a publicidade oficial que tenta nos convencer de que os governantes estão realizando seu trabalho. Comprar um jornal, uma revista ou acessar um site repleto de propagandas dos mais diversos itens é melhor do que visualizar propagandas oficiais do governo como? Outro dia estava lendo uma notícia no site do Le Monde quando minha filha de cinco anos se aproximou. Eu estava entretido com a notícia, mas o olhar dela foi atraído pelas imagens do site. Entre eles havia a propaganda de um site de "relacionamentos" adultos, no qual havia a animação do desenho dois cachorrinhos cruzando. Com toda ingenuidade ela me apontou a animação, afirmando que era muito bonitinho o fato de um cachorrinho estar coçando as costas do outro... Jamais esperava ver tal tipo de propaganda naquele jornal, mas estava lá.
A imprensa deve ser livre para realizar seu trabalho? Sempre. Existem governos que limitam abusivamente a imprensa? Claro, nós já vivemos em um regime desse tipo. Mas criticar a imprensa e desejar que exista um maior controle sobre o que é publicado é sinônimo de autoritarismo? Não. Os donos da grande imprensa não podem pretender serem os portadores oficiais da voz popular pelo simples fato de trabalharem com a divulgação de notícias que eles mesmo elaboram.
- Hugo Chávez (Venezuela)
- Cristina Kirchner (Argentina)
- Rafael Correa (Equador)
- Evo Morales (Bolívia)
- Daniel Ortega (Nicarágua)
- Porfírio Lobo (Honduras)
- Lula (Brasil)
Uma das coisas que me incomoda em toda a discussão atual sobre a liberdade de imprensa é justamente a freqüência com que os porta-vozes da grande imprensa empregam o termo democracia. Pois os grandes grupos que atuam na imprensa são a própria antítese da democracia. São empresas de capital privado, nós não escolhemos seus administradores. Ao mesmo tempo existem cada vez mais relatos de jornalistas destacando o controle sobre o que deve ou não ser publicado nas suas redações. Ao contrário do que é propalado a imprensa divulga somente o que atende aos seus interesses comerciais e certamente políticos. Basta verificar que, no geral, os grandes jornais divulgam basicamente as mesmas notícias, com enfoques que indicam a tendência política de quem autorizou a divulgação das mesmas.
Se a democracia implica na participação livre do povo por que tanta resistência em que sejam criados os mecanismos públicos de regulação da imprensa? Essa não é justamente a grande questão da democracia? A gestão nas mãos do povo?
O grande fato é que os grupos da grande imprensa atuam como um poder paralelo dentro de todos os Estados. São eles que transformam os fatos cotidianos em notícias, empregando critérios muitas vezes duvidosos. Lembro aqui de fato ocorrido em 2004. O jornalista Larry Rohter publicou matéria no The New York Times afirmando haver uma preocupação nacional no Brasil com o aumento de consumo de álcool pelo presidente Lula. As "fontes" utilizadas eram comentários e piadas de políticos da oposição ao governo. O que vimos então foi a revolta da imprensa nacional com a possibilidade de expulsão do jornalista (que atuava aqui como correspondente internacional do jornal norte-americano) discutida no governo, justamente por supostamente afrontar a liberdade de imprensa. Ainda que se possa considerar que a reportagem em si apenas divulgava a opinião expressa por um grupo de pessoas, tratou-se de um exemplo claro de que as informações que recebemos não são realmente verificadas pelos redatores dos grandes jornais (um resumo da polêmica pode ser lido aqui). E desse modo boatos e piados podem se tornar verdades. A liberdade de informar não deve ser confundida com a liberdade de difamar.
Voltando ao assunto inicial aqui tratado temos que considerar que existe também o direito, ou deveria existir, democrático de podermos criticar a imprensa. Todos nós, inclusive os membros do governo, sem com isso sermos tachados de antidemocráticos. O pressuposto central da democracia não é realmente somente a expressão da opinião pelo voto. Mas é a liberdade de participar do debate público, irrestrita para todos os cidadãos, acompanhada pela responsabilidade sobre aquilo que falamos.
A questão da propaganda oficial é também complicada. Sempre tento entender qual é a diferença real entre a propaganda de um produto qualquer que uma empresa tenta nos fazer comprar e a publicidade oficial que tenta nos convencer de que os governantes estão realizando seu trabalho. Comprar um jornal, uma revista ou acessar um site repleto de propagandas dos mais diversos itens é melhor do que visualizar propagandas oficiais do governo como? Outro dia estava lendo uma notícia no site do Le Monde quando minha filha de cinco anos se aproximou. Eu estava entretido com a notícia, mas o olhar dela foi atraído pelas imagens do site. Entre eles havia a propaganda de um site de "relacionamentos" adultos, no qual havia a animação do desenho dois cachorrinhos cruzando. Com toda ingenuidade ela me apontou a animação, afirmando que era muito bonitinho o fato de um cachorrinho estar coçando as costas do outro... Jamais esperava ver tal tipo de propaganda naquele jornal, mas estava lá.
A imprensa deve ser livre para realizar seu trabalho? Sempre. Existem governos que limitam abusivamente a imprensa? Claro, nós já vivemos em um regime desse tipo. Mas criticar a imprensa e desejar que exista um maior controle sobre o que é publicado é sinônimo de autoritarismo? Não. Os donos da grande imprensa não podem pretender serem os portadores oficiais da voz popular pelo simples fato de trabalharem com a divulgação de notícias que eles mesmo elaboram.
sexta-feira, 16 de julho de 2010
Existem espiões e espiões...
A justiça dos EUA condenou um casal de espiões cubanos. Kendall Myers tem 73 anos e sua esposa, Gwendolyn, 72 anos. Ele trabalhou no Departamento de Estado de 1977 até 2007, período durante o qual transmitiram basicamente informações econômicas para Cuba. Durante o julgamente Myers afirmou que queriam auxiliar na revolução comunista dos cubanos. Em todos esses anos o casal recebeu muito pouco dinheiro por suas atividades, permanecendo na atividade de espionagem por acreditarem na causa.
Myers pegou prisão perpétua e sua esposa seis anos e nove meses de prisão, por conta de sua condição de saúde (sofreu derrames e um enfarte). Ele ainda sofrerá um processo para devolver todo o salário que recebeu como funcionário do Departamento de Estado, cerca de 1,7 milhão de dólares.
Depois de vermos a troca de espiões com a Rússia e o caso do cientista iraniano seqüestrado e levado ilegalmente aos EUA a condenação desse casal de "perigosos espiões" é cômica, para não dizer trágica. As informações que possam ter transmitido certamente não tornaram Cuba uma ameaça real ao poder dos EUA.
Vejo-me obrigado e repetir que fica cada vez mais claro e evidente o que move as alianças econômicas, políticas e militares no mundo. Os fortes, com exércitos que podem representar um potencial real de perigo, são recebidos com almoços em lanchonetes. Já os fracos...
Myers pegou prisão perpétua e sua esposa seis anos e nove meses de prisão, por conta de sua condição de saúde (sofreu derrames e um enfarte). Ele ainda sofrerá um processo para devolver todo o salário que recebeu como funcionário do Departamento de Estado, cerca de 1,7 milhão de dólares.
Depois de vermos a troca de espiões com a Rússia e o caso do cientista iraniano seqüestrado e levado ilegalmente aos EUA a condenação desse casal de "perigosos espiões" é cômica, para não dizer trágica. As informações que possam ter transmitido certamente não tornaram Cuba uma ameaça real ao poder dos EUA.
Vejo-me obrigado e repetir que fica cada vez mais claro e evidente o que move as alianças econômicas, políticas e militares no mundo. Os fortes, com exércitos que podem representar um potencial real de perigo, são recebidos com almoços em lanchonetes. Já os fracos...
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