domingo, 29 de agosto de 2010

Quem paga o preço

O quadro não é novo. Um aluno se apresenta com problemas de notas em uma escola durante o primeiro semestre e procura então outra, considerada mais fácil, para terminar o ano. Qualquer professor, principalmente os dos colégios particulares, já viu isso acontecer, quer seja como docente da escola que perde o aluno ou da que o recebe. A questão foi brevemente apresentada em matéria de hoje na Folha.com. Destaque vai para o recado dos educadores: a medida pode atrapalhar mais do que ajudar. O aluno pode acabar com a impressão que não importa o que possa estar acontecendo sempre haverá um meio de se livrar das consequências da obrigação não cumprida.
Presenciei vários casos como esse. Mas um deles chamou minha atenção. Era um jovem que tinha muito potencial, mas que por um conjunto de fatores que estavam fora do controle da escola (e até mesmo da família), acabou ameaçado de perder o ano. Não havendo nada mais que pudesse ser feito por ele veio a opção de mudar de colégio. Alguns anos depois ele apareceu para uma visita e conversamos bastante. O que eu mais me lembro foi da seguinte frase: "Professor a escola lá é tão fraca que eu sou o melhor aluno da turma!".
Entre os especialistas ouvidos pela reportagem temos o alerta de que a escola não deveria se concentrar apenas nos melhores alunos, mas fornecer ajuda individualizada para os que apresentam dificuldades. Pronto! Mais uma vez o ideal esbarrou no real. As escolas, no modelo que temos hoje, não possuem condições para fornecer tal atendimento. Ele custa muito caro. É preciso pagar ao professor e outros profissionais, que não podem então possuir muitos compromissos externos. Para conseguirem concorrer em uma situação na qual os donos das escolas se comportam como meros empresários tal custo extra pode significar a perda de outros tantos alunos para os concorrentes. Que é exatamente o que os pais acabam fazendo ao retirar seus filhos para "uma escola mais fácil", sem saber realmente o que isto possa ser.
Ficamos então todos sem saída! O professor não consegue atender os alunos individualmente, tem as salas lotadas e trabalha em mais de um emprego. A maioria das escolas não dispõe do grupo de profissionais necessários para atender com qualidade esses mesmos alunos. Os pais acabam optando pela única saída aparente, uma vez que muitos também não podem pagar pelo atendimento profissional necessário. E quem sofre é o aluno. Mas, infelizmente, enquanto a tendência de considerar a educação como uma mercadoria prevalecer (já temos inclusive grupos de educação que lançaram ações na bolsa de valores) não há como imaginar a adoção de um sistema de ensino inclusivo.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Bilontras

O historiador José Murilo de Carvalho utilizou esse termo para se referir à população brasileira no século XIX, no episódio da proclamação da República em seu livro Os Bestializados. Carvalho discute na obra com a imagem de que o povo brasileiro teria assistido "bestializado" os eventos da proclamação da República, dita por Aristides Lobo, querendo dizer que ninguém realmente entendeu o que se passava. Contrariando tal imagem Carvalho propõem a do bilontra, o malandro. Se o povo não participou do evento ou não procura se envolver mais com os rumos da política não por ignorância, mas sim por terem a compreensão clara de que a política é um jogo, uma disputa de discursos e imagens. Nesse aspecto os que consideram a política como algo verdadeiro é que seriam os verdadeiros bestializados, enquanto que todos os demais, que  assistem de longe e debocham de todo o teatro seriam os bilontras.
Lembrei-me do texto ao ler entrevista com o candidato à deputado federal por São Paulo, Tiririca (pelo PR). O humorista defende que sua presença na câmara não vai deixar as coisas piores do que estão. Também fica claro que são os assessores indicados pelo seu partido que irão montar os projetos e definir os rumos do seu mandato (diante da real possibilidade de que seja eleito). Ele revela que não entende nada sobre isso. Afirma que vai defender as crianças e os nordestinos, trabalhando pelos mais necessitados.
O que o voto em Tiririca significa? Acredito que há um pouco do bilontra sugerido por Carvalho: votar nele é chamar todos os políticos de palhaços. Mas também é um sinal do personalismo político que marca grande parte de nossa sociedade, que não vota considerando os programas partidários mas sim os candidatos. Comentei sobre isso no meu artigo anterior neste blog. Temos que considerar ainda que algumas pessoas podem acreditar que, diante do quadro atual, Tiririca, por sua origem e apelo popular, pode representar uma possibilidade de expressão para uma parcela do eleitorado, absolutamente desesperançada, grande o suficiente para elegê-lo. Quando Clodovil foi eleito para o mesmo cargo pelo mesmo estado críticas semelhantes surgiram, principalmente diante da sua autodeclarada inexperiência. Após sua morte quase nada foi dito sobre seu papel pífio na câmara, apenas louvaram sua carreira de estilista.
É preciso verificar também se a crítica à candidatura de Tiririca não revela muito mais um elitismo que beira realmente o racismo. Afinal, gostando ou não, ele possuí o direito de ser candidato e, sendo eleito, cumprir as atribuições de seu mandato. Excluí-lo previamente simplesmente por ele ser quem sempre foi é certamente uma forma de discriminação. Demoramos muito para chegar até a concepção de que todos os cidadãos brasileiros alfabetizados, independentemente de sua cor, origem, religião e classe, possuem o direito de se lançarem como candidatos. A democracia deve ser o espaço da expressão da diversidade.
O desafio é então, mais do que ficar chocado e indignado com a possibilidade da eleição do humorista, entender os fatores que motivam seus eleitores superando o discurso fácil que remete à ideia de um povo bestializado.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

As instituições e os indivíduos

Para que servem os partidos políticos? Os dados analisados pela Datafolha parecem indicar que não para muita coisa, pelo menos para uma boa parte dos eleitores. Observem as intenções de voto para governador e senador (lembrando que são duas vagas para senador) em alguns estados:
  • Minas Gerais - Hélio Costa (PMDB) tem 43% das intenções de voto para governador. Mas 74% dos eleitores de Hélio irão votar para senador em Aécio Neves (PSDB) e 56% em Itamar Franco (PPS). O candidato aliado de Hélio ao senado, Fernando Pimentel (PT), recebe 26% dos votos de seus eleitores.
  •  São Paulo - Geraldo Alckmin (PSDB) liderada para governador com 54%. Mas 29% dos eleitores que votam no tucano irão votar em Marta Suplicy (PT) para o Senado. Ela segue em primeiro lugar no estado, com 32% do total.
  •  Rio de Janeiro - Sérgio Cabral (PMDB) segue em primeiro lugar para governador, com 57%. Mas 45% de seus eleitores devem votar em Marcelo Crivella (PRB) e 39% em Cesar Maia (DEM) para o Senado. 
A matéria ainda mostra a mesma situação ocorrendo na Bahia e no Paraná. Aparentemente não há então uma grande preocupação de parcela do eleitorado brasileiro em considerar os programas partidários na definição do voto. Votam no candidato e não exatamente no partido. Confiam na pessoa mas não na instituição... Não consigo deixar de pensar na imagem do "homem cordial", elaborada por Sérgio Buarque de Holanda. Em uma nação em que as instituições representam interesses privados, resta à população a cordialidade, expressa nas relações pessoais, como o mecanismo para conseguir ter acesso ao que deveria ser público. As instituições então não são confiáveis, pois agregam uma gama variada de pessoas que não conhecemos diretamente. Mas é possível buscar indivíduos específicos dentro delas. Se eles serão os melhores ou não para o cargo é questão para outra reflexão...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ninguém se responsabiliza

Eric Schmidt, que é o presidente da Google, advertiu que os jovens de hoje talvez tenham que mudar seus nomes como única alternativa para apagar os rastros que deixam ao navegar pela internet. Afirmou que a sociedade ainda não consegue entender os riscos de serem disponibilizadas informações pessoais livremente na rede. Como a Google é certamente a maior empresa atuando nesse setor o recado precisa ser bem entendido.
Em janeiro de 2006 o caderno Mais! da Folha de S. Paulo publicou uma entrevista com Vinton Cerf, que idealizou a internet e seus protocolos. Na época ele trabalhava para a Google, atuando justamente na expansão da rede no mundo todo. Entre outras coisas ele afirmou o seguinte:
O Google não garante o conteúdo que descobre na internet. Seus algoritmos, que fazem o ranking do material que ele apresenta, são intencionalmente preparados para dar destaque ao que parece ser mais relevante. (FOLHA DE S. PAULO. O meio sem a mensagem. 29 jan. 2006, Caderno Mais!)
Cabe então ao usuário filtrar a qualidade e a confiabilidade de cada site. Assim como cabe ao usuário filtrar o que vai postar na internet. Interessante que em um mundo de tantos avanços o discurso de uma das empresas mais modernas e atuantes no setor da informação seja o mesmo de qualquer empresa tradicional. A afirmação de que não se responsabilizam pela informação que circula assemelha-se ao velho argumento da indústria de armas: são as pessoas que matam e não as armas.
Enquanto isso a Google continua a crescer e a acumular cada vez mais dados que ninguém sabe ao certo, ainda, como podem ser utilizados.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Enterrando a educação pública

Quando nenhuma "novidade" parecia possível na educação brasileira! O governo do estado de São Paulo, gestão do PSDB (que já perdura por 16 anos), jogou mais uma pá de terra na cara dos professores. Vão pagar R$ 50,00 para cada aluno que ficou em recuperação de matemática e que participe integralmente das aulas de reforço. Patético é o mínimo que posso dizer! E ainda existem "educadores" que apoiaram a ideia! O que assusta mais? Que nas discussões do projeto chegaram a cogitar sortear um notebook entre os alunos que participassem integralmente das aulas de reforço! Fabuloso! E os bons alunos? O que recebem? Nada, somente a certeza de que cumprir suas obrigações não conta para nada nesse país! Cumpra seu dever e sinta-se feliz, enquanto você observa os que não cumprem receberem incentivos e premiações. Como se já não fosse suficientemente difícil ser professor nos dias de hoje.
Claro que os alunos com dificuldade precisam de atenção. Mas e os que são bons alunos? Não precisam ser estimulados a prosseguir? A tentar uma vaga nas universidades públicas? Premiar a presença nas aulas de reforço é uma daquelas ideias que arrebentam com tudo, inclusive o trabalho de se tentar resgatar a dignidade do professor. Os alunos das escolas públicas precisam que suas famílias ganhem melhor, para que possam viver melhor e assim conseguirem estudar. Dinheiro para pagar melhor aos profissionais que atuam nas escolas não existe, mas para bonificações sim.
Como convencer os alunos de que é necessário estudar se os gestores do estado os estimulam a pensar o contrário?

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Consumo sustentável

A Abecip, Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, divulgou que os brasileiros que procuram crédito bancário para compra de imóveis financiam, em média, 61,9% do valor total da compra. Em 2004 a média era de 46,8% do valor do imóvel. Segundo a associação existe uma tendência de crescimento até cerca de 80% do valor do imóvel, patamar considerado "sustentável". Afirma também que não corremos o risco de uma "bolha imobiliária" como ocorreu nos EUA por dois fatores: 1- não há endividamento considerado excessivo da parte de consumidores e construtores; 2- houve um aumento real da renda média do brasileiro, que deve ficar em torno de 8%. Por conta de todos esses fatores afirmam ainda que o preço dos imóveis deve continuar subindo, pois a demanda existe.
Sem querer ser alarmista algumas considerações precisam ser feitas. A Abecip é uma associação formada, basicamente, por Bancos tais como: Itaú, HSBC, Caixa, Santander, Banco do Brasil, Bradesco entre outros. Difícil acreditar que tais entidades, principalmente as privadas, desejem fazer qualquer declaração que desestimule a busca por crédito em suas empresas. No que se refere ao aumento da porcentagem financiada pelos brasileiros na compra do imóvel a Abecip ainda afirma que as pessoas que possuem capital guardado preferem não gastá-lo todo na compra do imóvel, assumindo parcelas maiores de financiamento para manterem um capital investido guardado. Faltou comentar que o preço dos imóveis vem aumentando aceleradamente nos últimos anos, influenciando certamente o valor financiado pela população. Em diversas regiões os imóveis dobraram de preço. Não é preciso dizer que os salários não dobraram no mesmo período. Se as pessoas não querem gastar toda a poupança na compra do imóvel é justamente pelo temor de não possuírem reservas no caso de uma dificuldade futura. Certamente não é, para muitos, com a intenção de garantir o pagamento de financiamentos!
Ao final temos ainda a sinalização de que o valor dos imóveis deve subir ainda mais. Por mais que os salários estejam mais altos o ponto de partida de tal aumento era muito baixo! Não significa um poder real de endividamento sustentável. Dados do IBGE mostram que os setores que mais cresceram no comércio foram o de material de escritório, informática e comunicação (25,8%); móveis e eletrodomésticos (20,6%); itens farmacêuticos e de perfumaria (12,2%); alimentação, bebidas e fumo (10,4%); roupas e calçados (10,1%); livros, jornais e papelaria (8,1%); outros itens de uso pessoal ou doméstico (6,1%); combustíveis e lubrificantes (5,5%). São segmentos da economia onde o endividamento ocorre, mas em valores e parcelamentos menores. Não consigo visualizar como um aumento médio de salários na casa dos 8% poderá dar conta de manter todo esse consumo (incluindo os imóveis) em alta. As pessoas não podem deixar de comer e andar vestidas, mas podem cortar todos os demais gastos em caso de desemprego. Podem inclusive tentar vender o imóvel ou automóvel que compraram financiado, mas muitas imobiliárias trabalham com um tempo médio para a venda de imóveis de até seis meses (apesar de falarem inicialmente em três). Passado tal período alguns recomendam que o valor de venda seja diminuído. A questão então é saber se as pessoas nessa situação vão poder continuar pagando seus financiamentos...
Temos condições de sustentar tal ciclo? Somente em um quadro de manutenção dos empregos e aumentos sucessivos de salário... Já entenderam o problema.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Escondendo os erros

Acompanhem a seguinte história. Uma criança é abandonada pelos pais e entregue aos parentes. Algum tempo depois seu pai retorna, mas ele é violento e abusivo. Aos 13 anos a criança é largada na entrada do sistema de cuidado com as crianças do estado de Nova York, de onde ele sai aos 16 anos. O jovem tenta servir a Marinha, mas termina viciado e vivendo nas ruas. Certo dia encontra um bilhete de ônibus para a cidade de Oklahoma onde seu destino muda, para pior! Em 1982 um homem é morto na cidade com o uso de um pedaço de garrafa. Um jovem morador de rua, com histórico de violência e assaltos foi preso pelo crime, mas acusou o nosso protagonista de ser o assassino. Eles estariam fazendo um programa com o homem assassinado quando a situação teria se descontrolado.
Para complicar a situação de nosso jovem ele é afro-descendente. Terminou preso e julgado pelo assassinato, podendo pegar a pena de morte. Seu primeiro advogado não se importou muito: declarou seu desprezo pelos homossexuais e considerou seu cliente como hostil. Ele não se preparou para o julgamento e fechou seu caso com uma fala de nove palavras... Foi assim que James Fisher, então com 20 anos, foi condenado à morte. Passou os próximos anos tentando vários apelos sem sucesso, vivendo no corredor da morte, muitas vezes em total isolamento. Sua frustração manifestava-se como rebeldia na prisão, pela qual foi sempre punido. Após 19 anos na prisão finalmente a Corte Federal considerou a nulidade de seu primeiro julgamento diante do comportamento antiético de seu advogado. Em 2005 recebeu um novo advogado e um novo julgamento, mas obteve o mesmo resultado. O novo advogado confessou que na época era viciado em cocaína e tinha problemas com bebida, de modo que negligenciou todos os seus casos. Chegou mesmo a agredir seu cliente, Fisher, o qual acabou se recusando a participar do novo julgamento. Mesmo assim foi condenado à morte novamente e o julgamento considerado nulo pelas ações da defesa.
Finalmente aparece o último advogado, Mr. Hudson, que é orientado por Fisher a buscar um acordo. Em julho deste ano finalmente o caso foi encerrado, após 28 anos. O acusado, que sempre afirmou ser inocente e que tinha como único acusador um jovem viciado com histórico de violência, aceitou o acordo oferecido: ele seria imediatamente liberto caso assumisse a autoria do assassinato, passando então por um programa de readequação social, mas também deveria sair de Oklahoma para sempre. Saiu barato para o sistema legal norte-americano, que se livrou da possibilidade de um processo da parte de Fisher, que ficou 26 anos preso no corredor da morte sem nunca ter realmente recebido um julgamento justo.
A história de Fisher fez-me pensar, evidentemente, no nosso sistema judiciário, repleto de casos escandalosos, tais como o da garota de 14 anos que ficou presa em uma cela cheia de homens. Ela também, após a denúncia da situação absurda, repleta de abusos, acabou "amparada" pelas estruturas estatais de cuidado com os jovens. Não se adaptou em nada e hoje, já com 18 anos, prossegue com seus traumas e vícios, ainda carregando o estigma de ser de algum modo culpada por tudo que passou.
Não é somente o Irã, com o caso terrível do julgamento de Sakineh, que deveria receber as pressões das autoridades e personalidades mundiais.

sábado, 7 de agosto de 2010

O público e o privado na crise econômica

Quando a atual crise econômica surgiu foram os Estados, com dinheiro público, que tiveram que socorrer às empresas privadas. Pacotes e mais pacotes de ajuda foram aprovados, para evitar que mais bancos fechassem suas portas, que empresas falissem, principalmente nos EUA já governado por Obama, mas ações similares foram realizadas em praticamente todos os países. O presidente Lula chegou a declarar, ironizando com o discurso liberal e neoliberal de empresários/economistas que sempre defenderam a existência de um Estado pequeno
"Agora quem vai salvá-los é o Estado, que eles diziam que não servia para nada"
E parece que o Estado ainda terá muitas contas para pagar. Principalmente nos EUA, bastião mundial da imposição do modelo neoliberal. Mesmo com todos os investimentos estatais o setor privado nos EUA perdeu 130 mil empregos somente no mês de julho. O resultado foi desanimador e também preocupante por indicar que o ritmo de crescimento dos norte-americanos no terceiro trimestre será ainda menor do que no segundo.
Assim é que os agentes e defensores do mercado livre revelam suas prioridades. Quanto a crise chega tratam de defender seus interesses, cortam todos os investimentos e jogam toda responsabilidade para o Estado, que é a mesma coisa que jogar os prejuízos nas costas de toda população. É a velha lógica da socialização das perdas, discutida pelo economista brasileiro Celso Furtado: os lucros são privados e só pertencem a um pequeno grupo, mas os prejuízos devem ser compartilhados com toda a sociedade.
E crescem as intervenções, as ameaças de conflito, em busca de mercados e fontes de energia. A liberdade de mercado? Significa somente que os grandes fazem tudo o que querem e os pequenos pagam a conta.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Informação: mais uma mercadoria

Todos que utilizam a internet conhecem as ferramentas de busca. Sites como o Google, Yahoo, Ask entre vários outros se tornaram populares por facilitarem o acesso às informações disponíveis na rede. Sem eles teríamos que saber os endereços específicos de cada site desejado, o que limitaria a capacidade de pesquisa da imensa maioria das pessoas. A liberdade de acesso ao conteúdo e a facilidade de encontrá-lo na internet tem sido defendida por todos que acreditam que o conhecimento deve ser partilhado e não ficar sobre o controle de poucos.
Pois a Google e a Verizon estão dando os primeiros passos para mudarem definitivamente tal realidade. As duas empresas, gigantes no mundo da internet, estão negociando um acordo para que as empresas possam pagar para que seus conteúdos apareçam sempre mais rapidamente nas buscas na rede. Basicamente a empresa que pagar mais vai aparecer sempre em primeiro lugar na listagem de uma busca online. Atualmente o Google já coloca em destaque empresas de anunciantes pagos nas buscas realizadas em seu site, apresentando a inscrição "link patrocinado". Mas os demais links que aparecem nas buscas seguem o princípio da "net neutrality", a neutralidade da rede, que defende que todas as informações que nela circulam devem possuir a mesma velocidade, ou seja, receberem sempre o mesmo tratamento pelos provedores, sem discriminação sobre sua origem. A proposta em negociação acaba com tal princípio, de modo que quem pagar mais terá mais velocidade, os demais ficarão para trás. Desse modo uma busca feita na rede não irá apontar necessariamente a informação desejada, mas sim o link para o anunciante pago que mais se aproximar dos critérios estabelecidos. Exemplo. Suponha que quero pesquisar estatísticas sobre acidentes de carros no ano de 2010. Lanço então a busca com os seguintes termos: estatísticas acidentes carros 2010. Pelo acordo pretendido eu receberei de volta uma listagem de indústrias automobilísticas, seguida por grandes redes de revenda de automóveis, enquanto que a informação que realmente desejo, disponível nos sites públicos dos órgãos de trânsito do governo, estarão perdidas em algum lugar.
A maioria dos usuários da rede talvez não saiba, mas companhias como a Google retiram seus lucros dos anunciantes pagos. A empresa vende, como gostam de dizer, palavras. São os termos que estarão associados ao link da empresa anunciante. Uma indústria de carros pode, por exemplo, comprar um conjunto de palavras tais como: carro, automóvel, motor, promoção, conforto, estabilidade, hidráulica, pneu, corrente, bateria etc. Se o acordo passar um músico procurando comprar uma bateria pode acabar surpreso com o resultado de sua busca!
As negociações ocorrem nos EUA, e a FCC (Federal Communications Commission), órgão do governo norte-americano que regula tais questões,não dispõe de instrumentos legais para realmente impedí-la.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Os que podem ser violentos

Nos últimos dias vimos o presidente Lula oferecer asilo político à iraniana acusada de adultério e condenada à morte por apedrejamento. Foi elogiado por alguns, inclusive os EUA, e criticado por outros. O porta-voz do Ministério do Exterior iraniano declarou que o presidente seria "emotivo" e desinformado sobre o caso. Apesar do caso Lula prosseguiu defendendo o acordo assinado com o Irã sobre a questão da construção das usinas nucleares, mencionando Maquiavel: as grandes potências estariam tentando dividir a unidade das menores para melhor controlá-las. Dividir para conquistar...
E diante de toda a comoção ao redor do caso da iraniana vemos a ação da policia francesa ao retirar um grupo de imigrantes de suas moradias: mulheres grávidas sendo arrastadas, crianças caindo do colo de suas mães e sendo também arrastadas, pessoas sendo agarradas e jogadas. Surgiram manifestações de repúdio, mas o provável é que nada além disso aconteça. Nenhuma manifestação afetiva das grandes potências. É que a França pertence ao Conselho de Segurança da ONU, defende a democracia, luta pela liberdade e possuí armas nucleares.


Abaixo o vídeo original e a matéria da BBC-Brasil.




domingo, 1 de agosto de 2010

Parcerias

Sob o título de "Dos táxis aos têxteis, Itália escolha tradição ao invés do desenvolvimento", foi publicada uma longa matéria do jornalista David Segal no New York Times, contanto a história de Luciano Barbera, dono de uma fábrica de tecidos feitos artesanalmente. Resumindo a questão: o método artesanal de produção da fábrica não é capaz mais de competir no mercado. Principalmente pelo fato de que a legislação italiana permite que a etiqueta "Feito na Itália" seja colocada em produtos que tenham tido uma das etapas de sua produção no país, não importando, por exemplo, se o tecido veio da China. Barbera é um dos que lutam atualmente para mudar tal legislação, para que somente os produtos feitos integralmente na Itália possam receber a etiqueta.
Do outro lado da questão, Segal mostra que na Itália toda economia é limitada pelas tradições. Muitos negócios são familiares e não se expandem pelo temor da perda de controle. Tal medo também reflete outro: o da concorrência. A Itália possuí inúmeras "associações de categorias", que controlam a entrada de novos profissionais, fiscalizam o trabalho e estabelecem preços. Tudo dentro do mais tradicional molde medieval das corporações de ofício. Por isso a matéria também se pergunta no início: "Será a Itália demasiadamente italiana?". Os italianos suspeitam das instituições que sejam extra-familiares.
Bom! E daí? Os negócios do senhor Barbera começam a demonstrar sinais de decadência claros, com uma redução no momento de 50% dos lucros. A saída encontrada é o mais interessante: vender seus tecidos de altíssima qualidade para um promissor e crescente mercado de consumidores chineses. Fica mais interessante ainda quando vemos os chineses assinando um acordo de cooperação econômica e técnica com Cuba. Em troca dos produtos chineses os cubanos oferecem o que possuem de melhor: medicamentos e técnicas oftalmológicas.
Os chineses ampliam a venda de seus produtos, famosos por reproduzirem com qualidade inferior alguns produtos ocidentais (a indústria de celulares é um bom exemplo), enquanto realizam parcerias para receberem o que alguns países tem de melhor para oferecer. Para o senhor o Barbera pode ser a salvação do negócio da família, para os cubanos uma possibilidade de oferta de produtos necessários que ajudem a sustentar um pouco mais o seu regime. E a China surge como a salvação da tradição familiar e dos ideais revolucionários! Ela já é nossa principal parceira comercial. São as alianças que despertam preocupação nos EUA e seus demais aliados (lembrando que os chineses também são parceiros comerciais do Irã). Não é, portanto, um problema de defesa da democracia e da liberdade.