terça-feira, 24 de agosto de 2010

Bilontras

O historiador José Murilo de Carvalho utilizou esse termo para se referir à população brasileira no século XIX, no episódio da proclamação da República em seu livro Os Bestializados. Carvalho discute na obra com a imagem de que o povo brasileiro teria assistido "bestializado" os eventos da proclamação da República, dita por Aristides Lobo, querendo dizer que ninguém realmente entendeu o que se passava. Contrariando tal imagem Carvalho propõem a do bilontra, o malandro. Se o povo não participou do evento ou não procura se envolver mais com os rumos da política não por ignorância, mas sim por terem a compreensão clara de que a política é um jogo, uma disputa de discursos e imagens. Nesse aspecto os que consideram a política como algo verdadeiro é que seriam os verdadeiros bestializados, enquanto que todos os demais, que  assistem de longe e debocham de todo o teatro seriam os bilontras.
Lembrei-me do texto ao ler entrevista com o candidato à deputado federal por São Paulo, Tiririca (pelo PR). O humorista defende que sua presença na câmara não vai deixar as coisas piores do que estão. Também fica claro que são os assessores indicados pelo seu partido que irão montar os projetos e definir os rumos do seu mandato (diante da real possibilidade de que seja eleito). Ele revela que não entende nada sobre isso. Afirma que vai defender as crianças e os nordestinos, trabalhando pelos mais necessitados.
O que o voto em Tiririca significa? Acredito que há um pouco do bilontra sugerido por Carvalho: votar nele é chamar todos os políticos de palhaços. Mas também é um sinal do personalismo político que marca grande parte de nossa sociedade, que não vota considerando os programas partidários mas sim os candidatos. Comentei sobre isso no meu artigo anterior neste blog. Temos que considerar ainda que algumas pessoas podem acreditar que, diante do quadro atual, Tiririca, por sua origem e apelo popular, pode representar uma possibilidade de expressão para uma parcela do eleitorado, absolutamente desesperançada, grande o suficiente para elegê-lo. Quando Clodovil foi eleito para o mesmo cargo pelo mesmo estado críticas semelhantes surgiram, principalmente diante da sua autodeclarada inexperiência. Após sua morte quase nada foi dito sobre seu papel pífio na câmara, apenas louvaram sua carreira de estilista.
É preciso verificar também se a crítica à candidatura de Tiririca não revela muito mais um elitismo que beira realmente o racismo. Afinal, gostando ou não, ele possuí o direito de ser candidato e, sendo eleito, cumprir as atribuições de seu mandato. Excluí-lo previamente simplesmente por ele ser quem sempre foi é certamente uma forma de discriminação. Demoramos muito para chegar até a concepção de que todos os cidadãos brasileiros alfabetizados, independentemente de sua cor, origem, religião e classe, possuem o direito de se lançarem como candidatos. A democracia deve ser o espaço da expressão da diversidade.
O desafio é então, mais do que ficar chocado e indignado com a possibilidade da eleição do humorista, entender os fatores que motivam seus eleitores superando o discurso fácil que remete à ideia de um povo bestializado.

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