segunda-feira, 1 de maio de 2017

A entrevista que nunca saiu

Fui procurado para uma breve entrevista sobre a reforma trabalhista. Eu faria a crítica e alguém faria a defesa e tudo deveria sair em um blog de um profissional da mídia conservadora... Sei que essa afirmação se aplica à praticamente todos no atual cenario, mas enfim! Recebi as perguntas por mensagem e as respondi depois da greve geral. Entrei em contato e coloquei apenas uma condição para minha participação, totalmente não remunerada como sempre: minhas respostas precisavam ser publicadas na íntegra, pois só faziam sentido deste modo. Bom... Repentinamente o interesse sumiu! Mas como meu trabalho gratuito já estava realizado segue para apreciação! Eram três eixos a serem respondidos: 1- elencar os elementos prejudiciais da reforma aos trabalhadores; 2- avaliar as relações entre a crise política e a reforma trabalhista; 3-  refletir sobre a necessidade das reformas para promover maior harmonia nas relações entre patrão e empregado. As respostas estão em sequência compondo um único texto.

(1) Primeiro é preciso começar por lembrar o perfil do congresso nacional. com as bancadas empresarial e ruralista sendo as predominantes, com 190 e 139 deputados respectivamente. Sindicalistas são apenas 46. Então o discurso de uma lei ou políticas que somente favorecem os trabalhadores não se sustenta na própria formação histórica do Congresso, que já foi inclusive mais elitista em outros momentos. O problema não se encontra somente nas novas leis aprovadas isoladamente, mas no seu conjunto geral. Basicamente todos os aspectos da CLT foram flexibilizados: jornada de trabalho, férias, hora de almoço, tudo pode ser negociado. Chegaram ao ponto em que mulheres grávidas poderão atuar em atividades insalubres bastando para isto um simples atestado médico. Em seu conjunto as novas regras não eliminam a CLT mas basicamente a colocam de lado, ela deixa de ser aplicada. Não é eliminada, mas alguém consegue mesmo imaginar algum patrão querendo utilizar a CLT para seus contratos de trabalho quando ele poderá simplesmente negociar diretamente com o funcionário, sem nem mesmo ser necessário a mediação de um sindicato? Somente em um reino de fantasia, não em um país que ainda conta com trabalho escravo! O que significa para o trabalhador? Que ele perde, na prática, o acesso à assistência jurídica do sindicato ao negociar diretamente com o patrão, o qual certamente ainda terá a assistência de advogados. Imagine alguém que não conhece seus direitos e não possui assistência jurídica sentando para assinar um acordo com um patrão completamente assessorado! E como será um formato legal de contrato a justiça não poderá fazer nada! A CLT não poderá ser invoca pois prevalecerá o acordado previamente entre as partes. Ao invés de termos realizado uma discussão sobre as condições trabalho das novas profissões simplesmente optaram por nivelar tudo! Um operário de chão de fábrica não tem as mesmas condições de trabalho e as mesmas necessidades de alguém que trabalha à distância, com computador! E certamente não ganha o mesmo salário! O projeto aprovado trata desiguais como se fossem iguais e isto é um retrocesso enorme.
(2) O atual momento político apenas reforça a ilegitimidade das medidas aprovadas. Estamos em uma crise política enorme, com um presidente com 4% de aprovação e que chegou ao poder em um golpe. Sem a queda do governo Dilma dificilmente tais medidas estariam sendo aprovadas. E não são necessárias em sentido nenhum. É tudo uma grande farsa! Os políticos que estão no governo são praticamente os mesmos que estavam antes! Se as políticas de Dilma estavam erradas foram eles que as aprovaram! E foram eles mesmos que pararam de votar qualquer coisa no auge da crise política, inviabilizando qualquer medida de contenção da crise econômica. Agora aparecem gritando que é tudo responsabilidade do governo anterior, que já caiu há mais de um ano! Mas eles eram o governo anterior! Sempre foram. E a promessa dos empresários que hoje defendem a reforma trabalhista era, justamente, que a recuperação econômica aconteceria em um mês após a derrubada de Dilma. Agora defendem que o trabalhador é o problema, que ele custa muito caro. Só não vemos qualquer um deles falando em aumento salarial!
(3) Harmonia? Onde? O que está acontecendo é uma chantagem, uma ameaça. Os defensores da reforma afirmam, sem disfarçar, que é melhor flexibilizar do que perder o emprego! Que espécie de harmonia é essa? Você aponta para o trabalhador e diz que a legislação trabalhista deve mudar ou ele vai perder o emprego e encerra a discussão, sem dar espaço para nenhuma demanda dos próprios trabalhadores! É o retrato de como serão verdadeiramente as negociações diretas entre funcionário e patrão! E se a reforma não passar o que as empresas vão fazer? Vão demitir todo mundo? Vão deixar de explorar o mercado consumidor brasileiro? É essa a ameaça? Qual é o patrão que vai, de fato, contratar mais trabalhadores somente pelo fato de que o preço da mão-de-obra caiu? Ele tem um trabalhador realizando uma certa função e vai contratar dois para o mesmo trabalho só pelo fato dos custos trabalhistas terem diminuído? Empregos são gerados com aumento do mercado, a produção aumenta quando a demanda aumenta e não quando o trabalho é mais barato! Na verdade um trabalhador ganhando menos e sendo responsável pelo recolhimento de seus próprios direitos é um consumidor com menos dinheiro! Para os grandes empresários, que hoje estão felizes com o aumento das exportações, isso não é um problema pois seu mercado está fora do Brasil. Para aqueles que dependem do mercado interno não há nenhuma melhoria. A legislação trabalhista poderia ser debatida, como qualquer lei, mas jamais do modo como foi feito, por um governo sem qualquer apoio popular. E certamente jamais culpando a justiça do trabalho, os sindicatos e os trabalhadores! E, não esqueçamos, em toda essa vergonha, ninguém falou absolutamente nada sobre melhorar os salários, sobre saúde e educação pública. Nunca estivemos mais distantes de qualquer harmonia.