Consolidada a eleição de Tiririca, amplamente antecipa pelas pesquisas, vários comentários surgiram. Não são novos e repetem muito do que foi dito desde o primeiro momento em que o agora ex-palhaço anunciou sua candidatura. Várias pessoas gritaram sobre o absurdo de sua campanha, sustentada pelo lema "pior do que está não fica". Outros lamentaram as escolhas do povo, culpando sua ignorância e questionando os procedimentos da nossa democracia.
Candidatos como Tiririca não são exatamente uma novidade. A mesma polêmica surgiu durante a campanha e posterior vitória de Clodovil, que dizia abertamente não ter plataforma política alguma. Todas as eleições realizadas após o período da ditadura militar contaram com candidatos polêmicos por utilizarem o humor, muitas vezes a respeito da própria imagem e capacidades. A novidade dos últimos anos é que alguns começaram a ser eleitos.
O historiador José Murilo de Carvalho explica, no livro Os Bestializados, a imagem que as elites do Brasil imperial tinham do povo no momento da proclamação da República. O movimento que derrubou a monarquia não contou com a participação popular, o que levou Aristides Lobo (jornalista e propagandista republicano) a afirmar que "O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava". A frase reflete o espírito das elites da época: o povo é uma massa ignorante, que nada sabe sobre os rumos da nação, sendo sua participação geral a de meros espectadores. E na verdade para tais elites estava tudo bem assim! O povo de fora do processo político e suas manifestações de descontentamento sendo duramente reprimidas, como ocorreu em Canudos, na Revolta da Vacina, no Contestado e, bem mais recentemente, com os sem-terra em Carajás.
Carvalho nos oferece uma interpretação diferente. O povo não era bestializado. Eles eram bilontras, ou seja, espertalhões, gozadores. Sabiam que muito bem que a política era um jogo de representações que alteravam muito pouco sua própria realidade cotidiana. Nesse sentido tratar a política como algo verdadeiro é que seria o erro, a ilusão.
A eleição de Tiririca deve receber uma análise muito mais profunda do que vem recebendo. Ela pode representar a manifestação de um parcela do povo que grita abertamente que a política é um jogo no qual as camadas populares saem sempre perdendo. Já que a política não é feita com seriedade melhor deixá-la com um profissional em palhaçadas. Mas também pode expressar que Tiririca conseguiu atingir um público que não se sente representado pelos atuais políticos. Ele que sofreu com a seca, que veio tentar a vida em São Paulo como tantos outros retirantes; que não teve acesso a uma boa educação, como tantos brasileiros. Resta saber quem é o mais iludido: o que acredita nas promessas de candidatos "sérios", muitas das quais não serão certamente cumpridas, ou quem faz a opção por um candidato insanamente transparente em sua ignorância?
Quer seja como uma forma de protesto ou como a expressão de uma identificação do eleitorado o fato é que o regime democrático estabelece o direito de Tiririca em concorrer, ser eleito e assumir o cargo. Contestar tal direito popular é um verdadeiro atentado contra a democracia! É desejar retornar ao tempo em que o voto não era livre para todo cidadão brasileiro: no período imperial havia o critério censitário (pela renda) e durante muito tempo na República era necessário ser alfabetizado. Quem não se enquadrava em tais condições tinha o dever de pagar seus impostos e cumprir as leis, mas não podia participar da vida política. Levamos muito tempo até a compreensão de que os setores mais pobres da sociedade também devem participar do processo político.
Antes de questionarmos os direitos de Tiririca e seus eleitores devemos questionar os políticos alfabetizados e bem formados, os que já estão na política há muitos anos, que não conseguiram criar as condições necessárias ao estabelecimento do bem-estar para toda população.
Eu não votaria em Tiririca. Ele não representa o que acredito ser necessário para um político (assim como diversos outros candidatos que foram eleitos). Mas abomino com muito mais força qualquer discurso que pretenda restringir o direito da livre manifestação popular através do voto! O autoritarismo deve ser sempre combatido, principalmente quando aparece disfarçado como "defensor" da democracia.
Vitor,
ResponderExcluirgostei de sua análise quanto ao fenômeno Tiririca, mas principalmente do cuidado que devemos ter quanto aos sistemas despóticos que estão presentes nas representações sociais...
Um abraço
Samuel Mendonça
Obrigado Samuel!
ResponderExcluirCaro professor,
ResponderExcluirsegue link do manifesto assinado pelos intelectuais da educação.
Abraços do seu primo Tiago.
http://www.viomundo.com.br/politica/professores-denunciam-bonapartismo-de-serra.html
Valeu Tiago! Li o manifesto e encontrei vários de meus ex-professores.
ResponderExcluirAbraço!