É isso mesmo. Nada acontece sem que um número considerável de pessoas se esforce bastante. Com a educação não seria diferente. Apesar de tudo que lemos e ouvimos sobre a luta pela melhoria na qualidade da educação o que os professores vivenciam revela na verdade um movimento forte no sentido oposto. Deixe-me apresentar alguns elementos que indicam a realidade da luta silenciosa contra o ensino de qualidade no Brasil.
Primeiramente devemos lembrar de um tempo onde os professores eram vistos com respeito, sua autoridade como portador de um saber era reconhecida e os salários pagos não eram aviltantes. Tal tempo pode ser localizado em qualquer momento anterior à década de 1970. Não vou detalhar aqui o desmonte sistemático do ensino público em nome de uma suposta qualificação para o mercado de trabalho. Mas os salários se tornaram cada vez menores e as greves cada vez mais frequentes. E a população, no geral, nada fez. Quem podia pagar passou a colocar os filhos em colégios particulares que passaram a se apresentar como guardiões de um ensino de qualidade. Para os professores esses mesmos colégios passaram a ser vistos como locais onde poderiam trabalhar tendo uma melhor remuneração. Mas o golpe fatal na qualidade de ensino já havia sido dado e os seus efeitos deletérios não podiam ser barrados. Ganhando muito menos os professores passaram a preencher seus dias com aulas e mais aulas, tendo portanto cada vez menos tempo para as necessárias atualizações, preparação das aulas e correções das avaliações. Por sinal são as avaliações que sofrem a maior parte das pressões cotidianas da parte dos que lutam por um ensino de baixa qualidade.
Claro que houve resistência dos professores! Mas é ai que entra o próximo elemento: os pais. As relações dos pais dos alunos com os professores já foram mais respeitosas. Mas a necessidade de preparar os filhos para a acirrada competição do mercado de trabalho levou a equívocos no que se refere ao papel da família na educação dos jovens. Ao invés de lutarem para que seus filhos aprendessem cada vez mais passaram a reclamar do que lhes era cobrado. Se a criança apresentava alguma dificuldade o problema era apontado nos professores, que afinal estavam sempre reclamando que recebiam muito pouco... Quem participa de uma reunião de pais hoje certamente já deve ter visto pessoas que reclamam que o material didático é muito difícil, que o professor fala difícil, que as provas são muito difíceis... Alguns chegam a dizer que não entendem o conteúdo da disciplina do professor como uma espécie estranha de prova de que o problema não é do aluno! E os alunos (outro elemento dos meus argumentos)? São jovens e aprendem rapidamente que reclamar dos professores para os pais é muitas vezes o melhor caminho para garantir aquele “trabalhinho extra”! E ai do professor se ousar corrigir adequadamente os tais trabalhinhos! Ai do professor se descobrir que o tal trabalhinho foi copiado de alguma fonte na internet! Nunca vi algum pai de aluno brigar com a escola para seu filho ter mais aulas de determinada matéria! Ou então para que seu filho leia mais de um livro por mês (quando a escola consegue que seja lido um livro por mês!). Para que as avaliações sejam feitas de modo a desafiar o aluno a que cresça. São dois elementos essenciais da luta pela baixa qualidade de ensino: a minoria de pais que reclama da “exigência excessiva” dos professores e a maioria que não reclama, mas também não se posiciona abertamente de maneira contrária.
O último elemento fica com o Estado e os donos das instituições particulares. Tivemos recentemente um grupo de prefeitos se organizando em uma manifestação contra o piso nacional para os professores! Contra!! Um piso sugerido de R$ 1.451,00 para os professores com carga de 40 horas semanais! Quarenta horas!! É com tal salário que esperam que os docentes paguem suas despesas e ainda leiam jornais, revistas, façam cursos, comprem livros, assistam filmes, peças de teatros, frequentem exposições, tudo para que estejam sempre atualizados! Que dizer da maioria das instituições particulares? Preocupadas em não perder a clientela e orientadas pela lógica de mercado atuam segundo a velha norma de que “o cliente tem sempre razão”... Mesmo quando não tem! Vale mais a reclamação do cliente, o pagador. Qual é o professor que nunca ouviu ou conhece alguém que ouviu a seguinte frase: “os alunos estão reclamando”, para descobrir que na maior parte dos casos o plural escondia que se tratava apenas de um pequeno grupo ou até mesmo de um único aluno?
Qualidade de ensino? A maioria das pessoas não tem mais como medi-la! Temos todo um conjunto de gerações que simplesmente não conhecem um ensino realmente de qualidade, pois ele desapareceu já faz algum tempo da maior parte de nossas instituições de ensino, sejam elas públicas ou particulares. A gritaria de alguns para que a qualidade seja diminuída aliada ao silêncio da maioria já fez seu estrago. Foi Gramsci que nos falou que para se conquistar a hegemonia em uma sociedade não é necessário que um grupo seja de fato majoritário, bastando que consiga se colocar como representante dos interesses coletivos. A inação da maioria gera efeitos tão danosos quanto a ação da minoria. E serve para voltarmos a minha ideia principal, a de que está um curso um movimento para que a educação tenha uma qualidade cada vez menor. Um movimento sem bandeira, sem lideranças, sem uma feição pública, sem uma pauta evidente de reivindicações, mas que avança gradualmente, tendo como oposição apenas os lamentos silenciosos e solitários dos docentes que ainda acreditam na tal qualidade de ensino perdida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário