Ontem deixei o carro para uma revisão, afinal trocar de carro com essa economia? Melhor durar mais uns anos. Estava voltando para casa com o motorista da loja, fui na frente e no banco de trás mais dois clientes, um homem e uma mulher. O motorista já tinha me conduzido para casa em uma revisão anterior. É um senhor já passado dos setenta anos. A conversa estava amena, focada em questões de trânsito. Ele deixou a mulher em casa e partiu para o meu endereço. A conversa continuou somente entre nós, no banco de trás o outro passageiro em silêncio. O senhor fala então que sempre perguntam para ele se não vai parar de trabalhar, pois é aposentado tem alguns anos. Mas sempre oferece a mesma resposta: "Você tem mil e seiscentos reais para pagar a minha Unimed e a de minha esposa?". Ocorre que ele tem o convênio médico através da firma faz muitos anos, totalizando um pouco mais de seiscentos reais pelo casal. Mas se ele parar de trabalhar vai perder o benefício do desconto da empresa. E ali estava ele, trabalhando por absoluta necessidade. Dei corda e então partiu para cima do governo Bolsonaro, criticando tudo que conseguiu lembrar. Aproveitei, claro, para tocar em vários temas. As safadezas de um político malandro que nunca fez nada. O cabide de emprego da família. O desmonte dos direitos trabalhistas e a queda na renda. As mamatas e privilégios do Judiciário e dos militares, bem como sobre o STM (Supremo Tribunal Militar) e seu papel em proteger todos os absurdos... E sobre como nenhum de nós vai poder se aposentar de fato e vamos morrer trabalhando, possivelmente em horário de trabalho. Comentei sobre como a aposentadoria também envolve a necessidade de liberar vagas aos mais jovens, de como o SUS sofre com desvios que ocorrem dentro dos próprios hospitais e postos de saúde... Pelo silêncio no banco de trás logo percebi que o outro passageiro certamente votou nesse governo, mas não abriu a boca para comentar. Falei de propósito mesmo, para ele que estava em silêncio, na esperança de que pense um pouco. Desejei tudo de melhor ao senhor, que rapidamente disse ao outro passageiro que viesse para o banco da frente. Manter a dignidade não é fácil em tempos como os que estamos vivendo.
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