sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Ignorando a ciência

Quem já fez uma reforma grande ou construiu uma casa vai provavelmente identificar esta imagem: as paredes são erguidas e rebocadas, então é feito o chamado "recorte" (em que a parede novinha é quebrada...) para passar fios ou mesmo algum encanamento nas paredes. Obras mais recentes, quando feitas sob supervisão de engenheiros e pedreiros qualificados, não realizam tal procedimento. Os canos e fios já são planejados previamente, de modo que não é necessário quebrar as paredes depois de prontas, economizando muito material.
A situação anterior é o retrato de algo que falta no Brasil: planejamento que leve em consideração as contribuições da ciência. Pois existe ciência aqui e, se procurarmos bem, também existem planejamentos dos mais diversos. Mas falta o diálogo entre ambos. Falta também que sejam considerados com maior seriedade. Existe um certo sentimento de que os cientistas são aqueles que fazem teorias que muitas vezes não possuem qualquer finalidade. Que os cientistas não se preocupam com a prática, com a ação que, no final, é o que realmente faz as coisas acontecerem. A maioria da pessoas que vão construir um imóvel não procuram um engenheiro desde o começo da obra. Vão procurar o pedreiro, que tem a experiência em construir. O engenheiro, profissional qualificado pelos conhecimentos científicos, aparece somente como a pessoa que precisam pagar para assinar uma planta no caso de regularização da construção (que muitas vezes não é feita).
A situação se repete com profissionais de vários outros campos. Cientistas Sociais produzem diversos conhecimentos sobre a nossa sociedade, mas dificilmente eles serão considerados no momento de elaboração das políticas públicas, definidas ao sabor dos favorecimentos e interesses políticos. Lembro de uma cena do primeiro "Tropa de Elite", quando o personagem Matias elabora um mapeamento estatístico das regiões da cidade que precisam de policiamento mais intensivo, mas que é descartado como algo inútil pelo oficial responsável. Mesmo considerando-se a presença de interesses políticos e econômicos tal situação também retrata o lugar reservado para o conhecimento científico em contextos de corrupção.
Podemos ver o mesmo acontecer na educação, onde a situação fica ainda mais exemplar. Os professores são profissionais que receberam qualificação universitária (claro que ainda temos exceções por conta de situação caótica da educação pública) e que atuam na prática, ou seja, receberam os conhecimentos científicos e atuam na sua transmissão. Exercem uma função que é teórica e prática (ainda que muitos acreditem que não). Mas não são eles os consultados no momento da elaboração das políticas públicas de educação. Torço aqui para que o discurso de posse de Dilma se concretize (ela afirmou o seguinte: "Mas só existirá ensino de qualidade se o professor e a professora forem tratados como as verdadeiras autoridades da educação, com formação continuada, remuneração adequada e sólido compromisso com a educação das crianças e jovens.").
E temos as chuvas, mais uma vez, gerando imagens dramáticas que todos os anos desejamos que não voltem a acontecer. Mas o tempo passa e chega um novo Janeiro e com ele a repetição. Não vou falar sobre os usos e ganhos políticos da rotina das tragédias no Brasil. Mas tudo que se falou até agora sobre os deslizamentos das encostas de montanhas é repetição do que foi dito e explicado no ano passado com as mortes em Angra dos Reis. Terrenos instáveis que não deveriam jamais ser ocupados ou alterados pelo homem. Alertas da meteorologia que mesmo quando emitidos não desencadeiam ações capazes de minimizar as mortes.
Tudo se relaciona. O descaso com as informações técnicas e científicas e o desempenho de nossos estudantes. Um ensino precário formará profissionais precários que não conquistarão a confiança geral. É um ciclo que só pode gerar catástrofes. Romper esse e tantos outros ciclos problemáticos é o desafio que não podemos adiar. Ou então teremos outros Janeiros de tragédias anunciadas.

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